Os povos indígenas sempre foram vistos como “bugres”, “violentos”, “preguiçosos”, “vagabundos”, economicamente sempre foram apontados como um empecilho ao processo de acumulação de capital, tudo isso fomentado pela elite política e econômica desde a colônia. Essas designações da história brasileira legitimam a violência como prática política contra esses povos. Para grande parte da elite política, os indígenas possuem apenas o direito de escutar o ronco dos motores do motosserra ou dos aviões pulverizadores de veneno, contentando-se com a possibilidade de acumulação de mais capital por alguém, fomentador da destruição ambiental e de vidas, além de promotor de violências.
O relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), divulgado na semana passada, apresenta a história dos atos violentos cometidos pelo estado brasileiro contra os povos indígenas. Não é possível falar em violência contra essa parcela da população sem apontar como principal fonte do seu aprofundamento, entre 2019 a 2022, o desmonte das ações de fiscalização, cuidado e proteção destes povos.
Um marco significativo consistia no orçamento destinado na LOA para 2023, pelo Governo anterior, as estimativas financeiras reduziam em 15,23% os recursos previstos para saúde indígena em relação ao ano de 2022, cujo valor representava uma redução orçamentária em relação ao ano de 2013 de creca de R$ 25 milhões. Esse quadro de desfinanciamento das ações e serviços de saúde levaram a crises humanitárias imensas, a exemplo da ocorrida na TI Yanomami. Mesmo durante a pandemia os recursos gastos, no ano de 2020, foram menores que os aplicados em 2019. Esse dado demonstra a política criminosa que resultou em mortes e muitas outras formas de violências.
No ano de 2022, os recursos previstos ao distrito sanitário especial Yanomami foi de R$ 60,5 milhões, sendo executado apenas 86,1%, demonstrando que não havia preocupação do governo, mesmo ante os alertas encaminhados pelos órgãos de controle, ministério público e organizações do povo Yanomami. A crise humanitária exigia um aporte maior de recursos. O que ocorreu? Uma redução no total de recursos orçamentários e uma execução financeira inferior ao empenhado.
Quando analisamos os recursos destinados a FUNAI principal estrutura pública de proteção e valorização dos povos indígenas, além do processo de militarização e da retomada do discurso da integração econômica e cultural dos indígenas a sociedade envolvente. Vemos que o corte orçamentário foi muito cruel com as condições adequadas de cumprimento de suas funções constitucionais e infralegais. No ano de 2013 foi executado um orçamento de R$ 252,5 milhões, no ano de 2020, em plena pandemia o orçamento executado foi de R$ 188,9 milhões.
Essa redução visual de R$ 63,6 milhões é muito grave, no entanto, ao considerar a inflação do período de 39,13%, os recursos destinados apenas com a reposição inflacionária deveriam ser de R$ 351,7 milhões. Na prática o resultado do desfinanciamento e do corte efetivo de recursos foi de R$ 99,2 milhões. O resultado prático desta escolha política efetivada pelo governo anterior foi a ampliação de todas as formas de violências nos territórios indígenas.
A política adotada pelo governo federal e a cumplicidade de governos locais com o processo de expansão da fronteira agrícola e o fomento a exploração mineral e vegetal, especialmente na Amazônia, produziram recheadas formas de violências, nas diversas terras indígenas existentes no país.
Um fator muito impactante, neste processo de diminuição da fiscalização, corte de recursos e desfinanciamento da saúde indígena – forçando uma dependência dos povos para recuperar sua saúde – é a expansão da atuação de organizações criminosas, ligadas ao tráfico de drogas e armas no interior da Amazônia. As áreas conflagradas por esses criminosos estão diretamente interligadas as terras indígenas, a exemplo da atuação no criminoso garimpo que se organizou na TI Yanomami Ye’kuana.
Neste contexto é fundamental analisar os dados do nosso querido Roraima. Apesar de todos os alertas sobre a crise no território Yanomami, desde o ano de 2018, não foi orçado pelo governo federal recursos para fortalecimento da proteção, gestão territorial e etnodesenvolvimento a nenhuma terra indígena em Roraima. Como não haver recursos extras a serem aplicado, na TI Yanomami e Ye’kuana, ante o quadro de crise humanitária vivida?
As demais rubricas orçamentárias permitem compreender a responsabilidade dos gestores públicos com o crime humanitário da TI Yanomami, potencializado pelo desfinanciamento e redução de recursos. No programa orçamentário de promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas, a ação programática aprimoramento de infraestrutura não teve recursos previstos.
Já a coordenação local da Funai, em 2022, teve recursos da ordem de R$ 1,52 milhões, sendo executado apenas 70,7% do montante previsto para ação programática de regularização, demarcação e fiscalização de terras indígenas. Outra rubrica prevista previu o valor de R$ 2,43 milhões para promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas, sendo executado apenas 68,7% dos recursos previstos. Neste programa de trabalho ainda foi previsto para Roraima R$ 174 mil para aquisição de produção indígena, recurso apesar de empenhado não foi executado.
Ao olhar esses dados percebemos que a violência perpetrada pelo Estado brasileiro por meio de sua política de cortes orçamentários, ou mesmo desfinanciamento de políticas públicas, consiste na ação potencializadora, de todas as outras violências que cresceram nos últimos 4 anos dentro dos territórios indígenas. Perpetuando a política de extermínio adotada no país desde a chegada pro aqui dos colonizadores portugueses.
VIOLÊNCIA CONTRA O PATRIMÔNIO
A morosidade no reconhecimento de terras indígenas – no governo anterior todos os processos de estudos antropológicos foram suspensos – e os cortes no processo de fiscalização e proteção transformam os conflitos por direitos possessórios numa dura realidade que potencializa violências nos territórios. No país temos 588 territórios indígenas sem que tenha sido tomada nenhuma medida administrativa do governo federal, ampliando as condições de vulnerabilidade e exposição a violências, principalmente em virtude da expansão da fronteira agrícola e da exploração mineral e vegetal.
Em Roraima temos algumas situações a serem enfrentadas pelo governo. A demarcação da TI Pirititi, em Rorainópolis, para proteção de indígenas isolados é urgente, a fim de garantir o direito à vida destes cidadãos e cidadãs brasileiras. Temos ainda em processo de estudo, extraoficial, a ampliação de 3 terras indígenas: Arapuá no Alto Alegre; Anzol e Serra da Moça em Boa Vista.
Essa situação já fez com que em discursos no plenário da Ca$a Legi$lativa conclamassem a sociedade e fazendeiros a se unirem para resistir aos interesses dos indígenas em demarcar novas áreas em Roraima. Historicamente esse discurso violento de políticos e empresários possui ressonância na imprensa, ampliando os riscos de violências que podem surgir onde se estabelecem esses conflitos, os quais são ampliados em virtude do crescimento da produção de grãos em Roraima, a exemplo do conflito que se estabelece na região do Tabaio, onde forças de segurança destruíram casas de indígenas, em 2022.
As invasões de 228 territórios geraram 309 casos de conflitos impulsionados por uma rede ilegal que possui uma simbiose entre grupos econômicos e facções criminosas, atos expressos midiaticamente com o brutal assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira. No entanto as ações conflituosas espalham-se pelos territórios, especialmente na Amazônia em virtude da expansão da fronteira agrícola. Desmatamento, caça, grilagem e extração de insumos naturais minerais ou vegetais, esses processos ilegais de exploração econômica gera sérios problemas ambientais a sustentabilidade dos indígenas, na TI Yanomami apresenta-se um desmatamento apenas em 2022 de 7 mil km².
VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA
Quando falamos em violência a primeira visão que nos vem à mente as agressões contra o corpo, a matéria edificante da vida e da resistência aos abusos impostos às pessoas. Essa é uma realidade concreta que atinge as comunidades indígenas. Ameaças, homicídios, assassinatos, estupros integram o rol conflitos violentos que se não tiraram a vida de pessoas, impuseram sérios problemas.
Em Roraima são registrados 2 casos de abuso de poder, um deles em relação a atuação da operação acolhida com os indígenasWarao no comunidade Jakera-Ine. Registramos também 1 ameaça de morte a liderança indígena. Registramos também 4 casos de ameaças, entre as quais posso destacar a inércia do Estado quanto a violência policial na comunidade Tabatinga na TI Raposa Serra do Sol e o sumiço da comunidade Aracaça, na TI Yanomami, após a denúncia da morte e estupro de uma adolescente.
Os assassinatos figuram como uma das maiores agressões numa sociedade. Roraima figura entre os anos de 2019 e 2022 como o Estado que mais registrou assassinatos, com 208 crimes, representando 26% de todos os registros do país. No ano de 2022, foram registrados 41 assassinatos, sendo que 39% foram de mulheres. Esses dados impõe a necessidade deste tema passar a ser uma preocupação dos órgãos públicos para diminuir esses índices.
Em nosso Estado temos ainda o registro de 2 homicídios culposos referente a atropelamentos ocorridos na região de Monte Cristo, na BR 174. A responsabilidade concreta é do Estado brasileiro, pois o fluxo de indígenas para casa de saúde Yanomami é constante nas margens da rodovia, porém a mesma não possui passarelas que garanta a segurança de indígenas e não indígenas que precisam circular naquela região da cidade de Boa Vista.
Temos também o registro de 2 tentativas de assassinatos, uma registrada na feira do produtor e outra dentro do TI Yanomami. Ambos os casos realizados com armas de fogo e que atingiram jovens. As agressões sexuais também integram as informações, no ano de 2022, foram registrados 3 ataques, sendo duas crianças e uma adolescente.
VIOLÊNCIA POR OMISSÃO DO PODER PÚBLICO
As violências do Estado são inúmeras, marcadas principalmente pela desassistência na execução de políticas públicas. Anteriormente vimos como se deu o processo de desfinanciamento de políticas públicas às comunidades indígenas. A mortalidade infantil é um indicador importante para mensurar essa omissão. O Estado de Roraima figura como o segundo maior Estado do país com registros de óbitos de crianças de 0 a 4 anos, registrando um total de 607 mortes. A pneumonia, as diarreias e a desnutrição figuram como as principais causas de morte.
Esse é um dado desolador a nossa sociedade. É fundamental que questões sérias iguais a essa passem a ser enfrentadas pelo poder público, sem a medíocre distinção de responsabilidades. Evitar a morte de crianças indígenas deve ser uma tarefa humanitária de todos os entes federados. É inadmissível que figuremos desta forma triste nestes indicadores que nos transmitem dor e ineficiência do poder público.
O grau de omissão do poder público implica a ausência de políticas de inclusão e respeito aos povos indígenas. Outros fatores necessitam ser estudados, a exemplo da violência sexual e das imposições dogmáticas de denominações religiosas. Esses fatores podem contribuir para o aumento do registro de casos de suicídio nas terras indígenas. Entre 2019 e 2022 foram registrados 535 óbitos autoprovocados, em Roraima, temos 57 registros, sendo o 3º Estado em número de suicídios ficando atrás apenas do Amazonas e mato Grosso do Sul.
O relatório do CIMI possibilita um amplo olhar sobre uma realidade dura, no entanto, inerente à vida de opressão imposta as comunidades indígenas. O pior é vermos a omissão do poder público em enfrentar os graves problemas apresentados, podemos ver que Roraima figura com péssimos indicadores no tocante a todos os tipos de violências contra os indígenas. É fundamental que nossa sociedade cobre aos responsáveis ações concretas para transformar essa realidade.
OPERAÇÃO ESCULÁPIO
Vimos não estarrecidos, mais uma operação que busca desbaratar quadrilhas que se apropriam dos recursos da saúde pública para atender seus interesses privados, relegando ao povo sofrimento, dor e morte. Nos últimos 20 anos, vemos operações todos os anos. Nunca vemos os culpados presos ou mesmo os recursos devolvidos. Essa impunidade que transformou nossa secretaria de saúde em um covil de bandidos que ocupam muitas vezes posições centrais de condução de políticas públicas.
Romper com essa lógica impõe a necessidade de enfrentarmos 3 questões fundamentais ao processo de trabalho. O primeiro consiste em realizar uma ampla auditoria nos contratos da SESAU, partindo do imediato afastamento de toda atual gestão em nome do bem público. Segundo é necessário que 80% dos cargos comissionados sejam obrigatoriamente ocupados por servidores efetivos, retirando desta forma o poder de máfias indicarem posições chaves na gestão. Por último, precisamos fortalecer o conselho de saúde, dando-lhe autonomia administrativa e financeira para que possa exercer seu papel efetivo de fiscalização e proposição na área da saúde.
AVANTE
Recentemente tivemos acesso a áudios envolvendo uma deputada estadual e um assessor do presidente da ca$a legi$lativa que dialogavam sobre a cassação do atual governador por crimes eleitorais. Afirmava o interlocutor que um dos principais assessores do governador, ex-secretário da Casa Civil, já havia resolvido tudo. Para minha surpresa a solução torna-se pública nos últimos dias. O filho do senador Hiran Gonçalves, o chorão, assumiu a presidência do partido que solicita a cassação de Denarium. Provavelmente deva o partido deva desistir da ação, criando uma situação delicada no caminhar da cassação que já possui 2 votos favoráveis, dos 7 votos possíveis.
Bom dia com alegria
Fábio Almeida
fabioalmeida.rr@gmail.com
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