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03/02/2023

Foto do escritor: Fabio AlmeidaFabio Almeida

Roraima uma terra de muitos encantos. Montanhas, igarapés, planaltos, vicinais, damurida, chibé, paçoca, movimento roraimeira, cachoeiras, um povo receptivo. Enfim, somos uma unidade federativa com múltiplas possibilidades, contanto, nos falta gestores públicos que se permitam escutar além da lógica reprodutiva do modelo colonizador que perdura por mais de 500 anos.


Trago essa retórica, alguns dirão que é piegas, reproduz um olhar utópico, mas a coluna possui essa função debater temas, os quais não possibilitam a população, além de uma chamada jornalística. Roraima uma terra de pouco mais de 600 mil habitantes, formada por várias expressões, podemos afirmar que é cosmopolita, tendo expressões culturais e sociais importantes dos povos indígenas a formar nossa sociedade.


Esse ganho cultural, social e antropológico não conseguiu fundamentar a pluralidade como ferramenta de existência da beleza de viver nas instância de poder, ao contrário, infelizmente perpetuou-se no espaço político e econômico a lógica destrutiva, da acumulação do capital de forma desordenada, possuindo como principal linha de ação renegar, oprimir e matar os indígenas que por aqui viviam com suas relações comerciais com os Países Baixos e a Espanha.


A União Ibérica, permitiu que Portugal adentra-se a oeste de Tordesilhas, a prática era baseada na exploração mineral, na destruição da floresta, mais principalmente na opressão aos indígenas, seja pela vasta violência física distribuída, inclusive no rio Branco, seja pela condução espiritual para renegar seus cultos e glorificar o Deus ocidental – prática ainda hoje disseminada pelos territórios indígenas – ou pela opressão econômica.


A pressão econômica pressupõe uma lógica discursiva disseminadora de alguns signos que se reproduzem na fala dos governantes de plantão – a exemplo de Denarium Governador de Roraima. “São atrasados”. “Não podem continuar vivendo como bichos”. “Essa riqueza toda é preciso que sirva a todos”. Essa bela cidade que falei no início, de um povo extraordinário – aquele que recebeu em sua casa famílias de venezuelanos quando estes mais precisavam e não havia política alguma de acolhimento dos Governos – reproduz em seu Governo uma política de ódio.


Quero aqui enfrentar a luz da atualidade as afirmações postadas acima. Como qualificamos um povo de atrasado? Esse é um conceito xenófobo, expõe sua violência na designação de uma determinada “superioridade” de uns sobre outros. Os princípios organizativos de uma sociedade devem obrigatoriamente conceber a multiplicidade de formas de viver, sem imposições, sem modelos lógicos, mas, convivendo em plena solidariedade.


A solidariedade é diferente do assistencialismo. O Estado e parcelas organizadas da sociedade praticam a segunda iniciativa no apoio aos mais pobres. A solidariedade no entanto consiste na busca por caminhos que superem as iniquidades, muitas impostas pela lógica de produtividade vigente – onde a produção social é acumulada de forma privada pelos donos dos meios produção – outras já, por posições racistas, xenófobas e intolerantes, fundamentadas no país, por meio de uma aristocracia agrária que nos Governa, desde a invasão.


A segunda insígnia, adotada pelos ditos doutores do terror, promove enorme crueldade com a vida de outras pessoas, nos causando surpresa quando proferida por uma pessoa constituída de poderes, pelo povo. Igualar seres humanos a bicho consiste numa agressão ultrajante. Não pela condição de viver na floresta, algo idílico, salutar para representações sociais milenares, como os povos da TI Yanomami. A projeção desta afirmação incrementa uma percepção no senso comum de que os indígenas são irracionais, não são capazes de projetar ideias, políticas ou planejar suas vidas.


Percebem como a violência desta fala descontrói nossa sociedade, pois hoje são os povos da TI Yanomami que sofrem essa agressão. Amanhã serão quais povos? Quais membros de nossa sociedade? Permitir a reprodução destas falas, nos colocará em uma situação de grande contradição social, pois consideramos que pessoas que defendem suas vidas, sua forma de organização econômica, suas projeções espirituais, sua forma de organização social são irracionais, por não reproduzirem o modelo opressor, segregador, violento e destruidor que nossos governantes e empresários defendem.


Por último, vamos olhar a premissa da distribuição da riqueza, proposta pelos detentores do desejo de transformar a floresta em um deserto, mesmo que seja um deserto verde com a plantação de eucalipto – para abastecer a termoelétrica a lenha implantada por Bolsonaro em Roraima. Se essa fosse uma premissa correta as cidades de Calçoene, Mazagão, Vitória do Jari e Pedra Branca do Amapari, no Estado do Amapá, bem como, Barcarena, Marabá e Parauapebas, no estado do Pará, apresentavam bons índices de IDH.


O índice de GINI que serve para mensurar a desigualdade é importante para demonstrar que as alegações baseadas na premissa da “exploração mineral gerar riqueza” é contraditada pela média do indicador de desigualdades, 0,6279 nestes municípios do Amapá, já no Pará é de 0,5721. Importante compreender que quanto mais próximo de zero maior a igualdade. Para mensurar esses dados de forma mais efetiva vamos buscar outros municípios da Amazônia que não possuem exploração mineral, em Caracaraí/RR o indicador aponta que a concentração de renda e riqueza é de 0,5670 e Manaus/AM 0,6334.


Desta forma, a proposta de que a exploração mineral e florestal da Amazônia combate a desigualdade é uma retórica falsa, principalmente, por ser fundamentada, desde o século XVIII, por hordas de desempregados a serviços de oligarcas e empresários que concentram o lucro da destruição ambiental, sobre a dor das famílias, sejam elas indígenas ou não. Na coluna de 25/01/2023 tratei um pouco deste tema (https://fabioalmeidarr.wixsite.com/colunatucandeira/post/25-01-2023), acesse para conhecer um pouco sobre o financiamento da exploração mineral na Amazônia.


A violência física e social sofrida pelos povos da TI Yanomami possuem 3 ciclos de grande impacto na vida destes cidadãos e cidadãs. O primeiro a partir de 1975 quando do lançamento do Polororaima, o segundo a partir de 1985 quando milhares de garimpeiros invadiram o território, promovendo uma devastação ambiental e humana. O terceiro ciclo ocorre de forma diferente, mais estruturado por apoios de forças econômicas.


Hoje, o território Yanomami é ocupado por financiadores de todo o país, inclusive com o incentivo de esferas públicas que realizam encontros com garimpeiros e estimulam sua presença dentro da TI Yanomami. Mesmo sendo a prática considerada crime pela nossa Constituição. O crime organizado, empresas e políticos participam da orgia financeira, deixando como saldo à sociedade brasileira a morte por fome de crianças e idosos e uma vasta destruição ambiental.


Portanto, as premissas de quem defende a invasão do território Yanomami não reproduzem uma política inclusiva, ao contrário, impõe aos povos indígenas dor e sofrimento, além de a sociedade em geral, o risco de ampliação de câncer devido os altos níveis de mercúrio em nossos rios. A incidência no pescado é a principal fonte de contaminação dos seres humanos – não bichos, como afirma o Governador de Roraima – incluindo aqui a população de Boa Vista, capital do Estado, bem como o acúmulo no fundo dos rios, principalmente na época da seca.


A contaminação ocorre por uma transformação química ocorrida pelo acúmulo de mercúrio, com a matéria orgânica dos peixes ou existente no fundo do rio, transformando-se em metil-mercúrio, causando danos ao sistema nervoso central, disfunções neurais, paralisia ou a morte. A lógica de exploração incentivada na TI Yanomami coloca em risco milhares de pessoas, incluindo povos com culturas milenares que vivem dentro da TI Yanomami.


Desta forma, o ciclo de violências inaugurado em 2019 além de promover a morte de indígenas por tiro e afogamentos, ampliar as condições de insegurança alimentar provocando mortes, de quebra expõe ribeirinhos e moradores de Boa Vista a riscos sanitários diversos. Assim, não há outro caminho a não ser apoiar abertamente as ações de retirada dos garimpeiros, proposta pelo Governo Federal.


Porém, o Governo Lula, junto com organismos nacionais e internacionais, precisa constituir uma ação sólida, combatendo as diversas estruturas que sustentam o garimpo criminoso em Roraima. Inicialmente temos que criar barreiras fluviais nos rios Uraricoera, Mucajaí e Catrimani. Registrar todas as pistas de pouso e decolagem existentes nos municípios de Amajarí, Alto Alegre, Iracema Mucajaí e Boa Vista. Pistas operando em propriedade privada sem registro devem ser destruídas. Além, de manter efetivo de segurança nas pistas de pouso e decolagem utilizadas pela SESAI. Essas medidas irão contribuir para o desmonte da infraestrutura do garimpo em Roraima. O porto do furo do Arame também precisa de equipes de segurança.


O credenciamento de todos os estabelecimentos comerciais que vendem material para garimpo também é fundamental, bem como de todas as empresas que trabalham com compra e venda de ouro em Roraima. A garantia do lastro da origem ouro também é importante para diferenciar o lícito, do ilícito. No caso de Roraima devemos ter prioridade nesta identificação técnica, a fim de que o fluxo comercial do ouro que carrega sangue dos povos da TI Yanomami, seja banido do comércio internacional e nacional.


O Sucesso desta ações impõe quatro condições básicas: a) sensibilizar a sociedade roraimense da importância das medidas a serem adotadas; b) punir duramente empresas que sustentam o garimpo ilegal; d) definir uma ação articulada com a Venezuela para que a estrutura de fomento ao garimpo não mude para o lado de lá da fronteira; e) combater as estruturas criminosas brasileiras, venezuelanas e colombianas que se encontram dentro do garimpo da TI Yanomami.

 

UM CORPO ESTIRADO NO CHÃO

Em novembro do ano passado anoitecemos com Ana Xexena, da TI Yanomami, sendo executada com um tiro na cabeça, no passeio que circunda a feira do produtor, seu filho foi baleado no braço. Na última quarta-feira, Chiquinho e Manoel Yanomami foram espancados, Manoel se encontra em estado grave, em virtude das lesões cerebrais que sofreu. O primeiro é morador da região do Catrimani, o segundo da região do Ajarani. Essa política de morte e violência instalada em Roraima precisa ser combatida com dureza pelas forças de segurança do nosso Estado. Não podemos continuar todas as semanas vendo pessoas serem assassinadas. Não é normal a prática de homicídio. Roraima já passou por isso em outro momento da história, vencemos uma vez a batalha, iremos vencer novamente, agora, para conquistarmos êxito é preciso que a sociedade roraimense enquadre o Governo do Estado a cumprir seu papel de proteger as pessoas, sem ampliação das arbitrariedades policial na periferia da cidade.

 

NOVO BIISPO

A nomeação do franciscano Evaristo Spengler demonstra a atenção que a igreja católica dedica a consolidação do seu rebanho em Roraima. A onda bolsonarista inebriou parcelas do catolicismo, do nosso Estado, fruto da afeição com determinados temas como “muita terra para pouco Índio” perpetuada pelos políticos, empresários e parcelas dos formadores de opinião. O franciscano que chega a Diocese de Roraima encontrará uma ligação sólida de integração de seu prelado com as estruturas sociais em efervescência, enfrentando de início o grave crime humanitário vivido pelos povos da TI Yanomami. Além disto, o novo mandatário da igreja católica possui uma relação muito próxima com as organizações que combatem o tráfico de pessoas, ajudará na consolidação desta rede de proteção aos roraimenses e imigrantes venezuelanos, haitianos e de outras localidades da América Central que vivem por cá.

 

CONGRESSO NACIONAL

No dia 01/02/2023 os parlamentares brasileiros elegeram seus presidentes para mandatos de 2 anos. O PP assume a Câmara dos Deputados, já o PSD assume o Senado Federal. Ambos contaram com o apoio de parte da base de sustentação do Governo Lula, impondo no caso do Senado mais uma derrota aos seguidores do ex-presidente da República. A surpresa foi a candidatura do PSOL na câmara, superando a marca dos 14 votos da legenda, permitindo uma boa sustentação política ao partido. Conquanto, essas representações políticas são abertamente reconhecidas pela sua defesa do liberalismo, da premissa do estado mínimo e do corte de despesas primárias. Ambos assumem um papel fiscalista de sustentação do mercado, em detrimento dos interesses do povo brasileiro que paga impostos todos os dias. A aliança em nome da “Democracia” surte um efeito positivo, pois demonstra uma unidade política contra as hordas golpistas da extrema direita brasileira. Porém, imporá a base do Governo uma grande capacidade de negociação na aprovação das linhas gerais propostas na campanha, a principal delas é incluir o povo no orçamento.

 

CLASSE POLÍTICA?

Recentemente, o Governador do Estado de Roraima falou que os encontros realizados com a administração do Governo Lula serviram para fortalecer a classe política. Político não é uma classe, podemos até entender que os oligarcas transformaram a política em um reduto familiar, os mandatos passam de pai ou mãe para descendentes, esposa (marido) ou amante. Mas, não é possível entender políticos como classe, apesar lógico que os patamares remuneratórios os enquadrem como pequeno burgueses, ou seja, aqueles vacilantes que servem a estrutura da burguesia. No caso de Roraima, a burguesia assumiu o Estado com um representante da oligarquia agrária. Quando Denarium se refere a políticos como uma classe social, tenta rescrever a lógica de organização do sistema produtivo que se estabelece com duas classes sociais concretas, a burguesia detentora dos meios de produção e as trabalhadoras (es) que vendem sua força de trabalho.

 

O QUE QUER O GOVERNO DE RORAIMA?

Para variar a incompetência administrativa do Estado se demonstra na ausência de planejamento. Na reunião “da classe política” com o Presidente da República, a gestão de extrema direita de Roraima não teve a capacidade de apresentar nada de novo para nosso Estado. As propostas foram: asfaltamento da BR 174, conclusão do linhão de Tucuruí e ampliação das relações econômicas com a Guiana e a Venezuela.

As relações com a Guiana e a Venezuela, perpassam hoje diretamente pela produção agropecuária, sendo este o único caminho econômico proposto pelo Governador, haveria necessidade de repactuar a estrutura da CONAB em Roraima, ampliação de investimentos da Suframa, desburocratização do acesso a financiamento para agricultura familiar indígena e não indígena, combate as pragas que impedem circulação de produtos e ampliação da formação técnica com ampliação de vagas, bolsas e primeiro emprego aos profissionais do setor. Nada disso foi debatido.

Enfim, Denarium e seus asseclas que percorreram os corredores ministeriais de Brasília lutando apenas pela ampliação da exportação de grãos e carne, estruturas subvencionadas com dinheiro público de nosso povo. O Governo serve aos interesses dos seus, não do povo roraimense.

Bom dia. Um forte abraço.

Fábio Almeida

Jornalista e Historiador

 
 
 

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