O crime causa transtornos imensos no pacto social firmado por nós, brasileiros e brasileiras. A prática é punida diretamente com a restrição da liberdade, hoje no Brasil temos quase 715 mil pessoas presas, esse número é maior do que a população que reside no Estado de Roraima ou no do Amapá. Enfim, muita gente dentro deste mundo demográfico da lotação de cubículos, ausência de infraestrutura e atuação de facções criminosas, não possui nem processo formalizado, muito menos julgamento.
Trago esse tema em virtude de termos nos últimos dias vivenciado questões relevantes no tocante à segurança pública e de extremo impacto em nossas vidas. Onde, temas necessários precisam ser debatidos pela sociedade, na premissa de podermos juntos encaminhar propostas que rompam com a lógica nociva de enaltecimento da violência como forma única de aglutinar adesão a ações de segurança pública.
Primeiro é fundamental falar do encarceramento. Precisamos transformar a lógica brasileira de aprisionar pessoas que cometem crimes de baixo impacto social. É necessário o cumprimento de medidas alternativas como estratégias concretas em nossa sociedade de enfrentamento a formação de novos quadros à criminalidade. As facções criminosas utilizam as prisões como fonte de seleção de jovens. Quanto mais jovens colocamos na prisão por crimes de menor poder social, mais soldados o crime organizado produzirão.
Nossas cadeias devem ser destinadas a cumprimento de crimes hediondos, os quais necessitam inclusive de um amplo debate sobre o endurecimento das penas, repactuando o acesso a benefícios. Eu particularmente defendo que em casos de homicídios, latrocínio e estupro não exista progressão de pena, sendo obrigado o criminoso cumprir a pena integral, até o limite constitucional de 30 anos de encarceramento.
Para combatermos claramente a estrutura das facções criminosas precisamos debater abertamente a atual política de aprisionamento. Não iremos obter sucesso se a lógica for possibilitar que os comandos possam continuar a pressionar detentos e familiares a cometerem crimes, muitas vezes para que possam ter acesso a insumos negados pelo Estado, a exemplo de colchões para dormirem.
Precisamos que penas alternativas sejam adotadas e fiscalizadas com mais eficácia pelas estruturas de segurança pública. A adoção dessas medidas irão retirar do crime organizado sua força central que consiste na sedução e na pressão sobre jovens dentro dos espaços de detentação existentes no país. Desta forma, reorientar o sistema de execução penal em nosso país é um debate central para rompermos com o atual ciclo de violências.
Outra questão a ser debatida e de extremo impacto junto à população pobre, preta e periférica consiste na violência do Estado e do seu braço armado contra comunidades ou favelas. Nos últimos anos a insígnia de “bandido bom é bandido morto” ganhou muita repercussão e foi retórica presente na lógica aglutinadora da classe média por parte da extrema direita brasileira, o resultado disto é a ampliação das mortes de pessoas por policiais.
Estudos científicos demonstram que a cada 4 horas a polícia mata uma pessoa no Brasil, a estratificação dos últimos dados demonstram que destes 84% eram de pessoas pretas. Esse dado demonstra que existe uma parcela da sociedade que é executada pela omissão e violência do Estado brasileiro. Um estudo publicado na revista brasileira de segurança demonstra que 69,2% dos homicídios cometidos por policiais, independente da situação desde que públicos, atingiram pessoas entre 12 e 34 anos, sendo que jovens entre 12 e 24 anos representaram 32,8% dos dados estudados.
A estatística demonstra que o crime seduz nossa juventude sob a esperança de uma falsa liberdade e de uma ilusória melhoria na qualidade de vida, de outro lado, o Estado, mata esses jovens. Semianalfabetos representam 56% das vitimas das ações policiais, 88,5% são jovens que possuem renda familiar de até R$ 1.000,00, sendo que 53% possuem renda de até R$ 500,00. Enfim, além de pretos a maior parte das pessoas mortas em operações policiais são pobres e com pouco estudo. Essas informações demonstram que existe no Brasil uma política de extermínio baseada no racismo e no aniquilamento dos filhos e filhas da classe trabalhadora.
Trago esses dados ante a ampliação da violência policial sobre a premissa de que se combate o crime organizado. Nos últimos dias, temos nos estados do Rio de Janeiro, Bahia e em São Paulo o assassinato de 45 pessoas, números assustadores, principalmente quando vemos as falas dos governadores. Especialmente o pronunciamento do Tarcísio Freitas (Republicanos/SP), ao afirmar que é preciso combater o crime organizado. Na prática ratifica as autoridades a autorização para policiais matarem pessoas, desde que sejam "suspeitas" de integrar o crime organizado. O problema é que as vitimas possuem rosto, família e moradia e suspeição não é insígnia de perder a vida, mesmo que seja proclamada a culpa, ou mesmo tenha a pessoa passagem na polícia.
O estado burguês, democrático de direito, possui em seu escopo o contrato social que nos forja como sociedade tendo como uma das premissas a defesa literal do direito a vida. Portanto, não é salutar que um governador não seja duro quanto a uma altíssima taxa de homicídios cometidos pelas forças armadas, seja lá sobre qual pretexto for. A justiça deve ser o caminho de qualquer criminoso, não a boca de um fuzil ou uma pistola de uma agente do Estado. Portanto, devemos como sociedade repudiar as mortes realizadas e que sejam abertas investigações urgentemente.
O outro ponto relacionado à segurança pública diz respeito ao julgamento no STF quanto à caracterização do porte de maconha e a caracterização de tráfico de drogas. A Lei 11.343/2006 estabelece o sistema nacional de políticas públicas sobre drogas, criando um elenco de travas e considerações que fortaleceram a lógica do combate às drogas, capitaneada pelos EUA que é o maior consumidor de drogas do mundo - levando milhares de jovens a prissão e ao cumprimento de penas, consequentemente a possibilidade de adesão deste jovem a uma organização criminosa.
Neste contexto a legislação foi omissa em caracterizar o que é porte para consumo e o que não é. Essa ausência de definição é debatida atualmente no STF, essa situação criou um verdadeiro furdunço jurisdicional, onde interpretações diversas impõe uma lógica de encarceramento em massa de jovens, pretos, periféricos e pobres. No voto do Ministro Alexandre de Moraes ele demonstrou que dentro de uma mesma cidade, pessoas presas com a mesma quantidade de maconha possuem interpretações distintas conforme sua renda e sua etnia. Demonstrando a fragilidade do sistema punitivo que confronta a constituição ao não respeitar a cláusula pétrea de que somos todos iguais perante a Lei. Porém, a omissão da Lei impõe uma política racista de aprisionamento, de pretos e pretas, por tráfico.
É necessário que a sociedade possa enfrentar esse tema abertamente. Outras nações ao adotarem o processo de legalização do uso das drogas, transformando-as em um problema de regulação comercial e de saúde – a exemplo da bebida alcoólica aqui no Brasil – atingiram diretamente as organizações criminosas que estruturavam suas quadrilhas por meio do tráfico de drogas.
Debater a legalização das drogas é confrontar diretamente as organizações criminosas. Precisamos tratar deste tema, sem as paixões e dogmas de todos os lados, olhemos para nós. Olhemos para o quanto nossos jovens sofrem com a atual política que se demonstrou falha e ineficiente para solucionar os problemas sociais, ampliados pelo crime organizado no país que possui nas drogas sua principal ferramenta de lucro.
Não podemos permitir que o debate sobre segurança pública seja um campo hegemônico da extrema direita que busca ampliar os procedimentos de opressão contra parcelas da população que se encontram nas periferias de nossas cidades, retirando a vida dos filhos e filhas da classe trabalhadora. Precisamos, entrar neste debate demonstrado a necessidade de mudar a atual lógica de organização das políticas públicas de execução penal, as quais permitiram o crescimento do crime organizado nestes últimos 18 anos.
O caminho é outro. Não podemos ter receio de enfrentar a disputa no campo das ideias, propondo novas referências que permitam a reformulação de nosso contrato social e da lei de execução penal. Precisamos proteger a vida e proteger nossos jovens. O tráfico existe, por existir o consumo de drogas. O combate às drogas amplia o encarceramento de jovens. Esse aprisionamento em massa amplia a capacidade operativa das organizações criminosas. A ampliação das redes de tráfico aumenta o número de mortes de nossos jovens pelas forças do Estado.
Esse ciclo de horrores e incompetência precisa se encerrado, abrindo espaço para que novas referências e novas formas de ação estatal possam diminuir o tingimento de vermelho nas ruas de nossas periferias. Precisamos de uma nova política de segurança execução penal no país. A questão fundamental é se conseguimos efetivar novas políticas públicas em um congresso conservador como o atual?
SEM CÂMERA
Militares da Rota de São Paulo retiram câmeras usadas nos uniformes em ações que resultaram na morte até agora de 16 pessoas. Essa informação é resultado do não registro nos boletins de ocorrência do uso dos equipamentos que são obrigatórios, apesar de não existirem disponíveis para todas as equipes. Coincidentemente, a equipe que registrou uso da câmera não registrou homicídios, já as outras 10 equipes que registraram não ter o equipamento de filmagem informaram a ocorrência de 16 mortes, fruto de auto de resistência, conforme relatos dos policiais.
Vídeos divulgados na internet demonstram a forma autoritária e violenta da PM, além de denúncias formalizadas de execuções sumárias que foram executadas. É necessário que as investigações avancem, a exemplo da solicitação da ONU de investigações, esse é o relato do povo. É repugnante a postura do governo de São Paulo que vem respaldando os atos praticados pela polícia, antes de qualquer investigação. Qualquer ação policial que resulte na morte de alguém deve obrigatoriamente ser considerada uma operação a ser investigada. Essa visão é necessária para que a prática de matar, brasileiros e brasileiras, não seja uma rotina das forças de segurança.
CPI MST
A CPI criada para criminalizar o movimento rural sem terra, pela extrema direita, continua a perpetuar sua política de horrores no congresso nacional. A última lubricidade foi protagonizada pelo relator, o Deputado Federal Ricardo Sales, ao defender abertamente o golpe militar como prática política para imposição de diretrizes de segmento ‘A’ ou ‘B’ da luta política. A fala ocorreu durante o depoimento do general Gonçalves Dias chamado de melancia, vermelho por dentro e verde por fora, sendo distratado pelos Deputados extremistas de direita a ponto de ser acusado como uma vergonha as forças militares.
Perdidos e sem conseguir fundamentar denúncias concretas contra MST, a extrema direita utiliza a CPI como uma ferramenta de pressão contra o governo, que possui uma frágil maioria em outra CPI, a dos atos golpistas de 08/01/2023. Além, das agressões, dos deputados misóginos, contra parlamentares mulheres que integram a CPI. Essa CPI deveria ser chamada de Comissão Parlamentar de Insanos.
No dia de ontem, durante a oitiva de José Rainha da coordenação nacional da FNL, mais uma vez os asseclas de Bolsonaro durante a CPI apanharam constantemente. Primeiro foi o relator que questionava sobre o Incra e o interrogado respondia que a responsabilidade é do governo do estado de São Paulo na área do pontal do paranepanema que concentra 80% das terras públicas improdutivas.
Depois, um deputado que passou 5 minutos falando que as mãos do depoente não condiziam com as mãos de um agricultor e que a luta pela terra é errada, os trabalhadores devem lutar para trabalhar para fazendeiros. Por último, outro deputado seguidor de Bolsonaro perguntou como o movimento mantinha-se, recebeu como resposta que os trabalhadores trabalhavam e mantinham seu movimento. Não comprovam nenhum crime e ficam perdidos em suas perguntas.
MARCO TEMPORAL
Ontem, durante a realização de sessão plenária do Senado Federal, o senador Hiran Gonçalves (PP), fez uma árdua defesa da votação do PL 2.903/2023, Marco Temporal, que busca limitar e revisar processos de demarcação de terras indígenas – quarta-feira, nesta coluna, vimos que existem no Brasil 588 terras indígenas aguardando procedimentos que vão de identificação a portaria de demarcação. A proposta ainda adentra sobre o processo de exploração de terras indígenas, ao regular a possibilidade de parceira entre indígenas e não indígenas na exploração econômica dos territórios demarcados. A fala do Senador reproduz a gana do grande capital que almeja abrir novas terras a produção de commodities alimentares dentro da Amazônia, especialmente aqui em Roraima. O que não entendo é muitas comunidades continuarem a receber esse parlamentar para fazer proselitismo, ao afirmar defender os indígenas e na prática defender o fim do direito a suas terras.
LENTIDÃO
Uma confusão surgiu no campo da esquerda e centro-esquerda roraimense. Muitos ditos partidários do Governo Lula abriram uma metralhadora giratória contra Davi Kopenawa que criticou recentemente, em uma reportagem, o governo federal pela lentidão no combate ao garimpo e na garantia dos serviços de saúde. A liderança indígena que na matéria diferencia claramente os projetos de Estado voltado aos povos da TI Yanomami, corretamente apresenta críticas em virtude de gargalos da operação realizada na TI Yanomami, ao permitir nas áreas que tiveram garimpeiros retirados, se encontrem hoje com garimpeiros novamente, essas contradições precisam ser enfrentadas. É necessário mais rapidez do governo federal. Foram 6 anos de completo abandono imposto aos Yanomami e Ye’kuana, eles possuem presa e o governo precisa responder com a agilidade necessária. Essa é uma cobrança legítima. O que não é legítimo é a utilização de discursos da extrema direita roraimense para atingir uma das lideranças da TI Yanomami.
Bom dia com alegria.
Fábio Almeida
fabioalmeida.rr@gmail.com
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