136 anos atrás o Brasil proibia o escravismo como fundamento da produção, algo em torno de 5,5 milhões de cidadãs e cidadãos africanos foram traficados em 315 anos, quando a Lei Eusébio de Queiroz proibiu o tráfico de pessoas pretas da África. Esse número que representa 8,5 vezes a atual população de Roraima representa em estudos já realizados que o país recebeu 45% de todos os escravos traficados, ao continente americano, para produzir riqueza para alguns.
Após a soltura o país não reconheceu direitos aos pretos e pretas, relegando-os a condições insalubres de vida e perseguições contra práticas culturais, religiosas e de vida. Por exemplo, a capoeira foi proibida, sendo considerada crime até 1930, hoje é patrimônio imaterial de nosso povo. Durante o Estado Novo o samba foi praticamente proibido no país, apenas em 02 de dezembro de 1963, o ritmo foi reconhecido nacionalmente. Enfim, a urbanização do Rio de janeiro entre 1904 e 1910 foi traumático para o povo preto expulso do que se denominava cortiços, nossas estâncias de hoje, onde continuamos a encontrar pretos e pretas residindo, pois se somos um país desigual em renda e riqueza, são negros e negras que mais sofrem com isso.
Por isso, a conquista de espaços institucionalizados de reconhecimento deve ser celebrada a cada dia, na luta efetiva contra o racismo, já identificado, na atualidade como uma figura sociológica estruturada nas relações institucionais e sociais em várias vivências de nosso povo. Por isso, a conquista da Lei 12.288/2010 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial é tão festejado, ao lado da política de cotas nas IFES, Lei 12.711/2012 que abriu definitivamente a graduação do ensino superior aos negros e negras, com as mudanças de 2023, vamos empretecer a pós-graduação, teremos cada vez mais pós-doutores e cientistas produzindo conhecimento.
Ontem, tivemos mais um ganho étnico ao povo preto, quilombola e indígena, no Senado Federal, foi aprovado de forma terminativa na CCJ o projeto de Lei 1958/2021 que prorroga os ganhos contidos na Lei 12.990/2014 que garantia cotas de 20% das vagas em concursos às pessoas negras, determinações que vencem em 09/06/2024. O projeto relatado pelo Senador Humberto Costa, além de prorrogar a política inclusiva até 2034, caso seja aprovada pela Câmara dos Deputados ainda esse ano, proporcionou a ampliação do percentual de vagas em concursos federais, subindo de 20%, para 30%. Esse mesmo percentual deve ser respeitado, pelas instituições federais, nos processos seletivos simplificados.
A proposta possui um conteúdo social imenso ao reconhecer a necessidade de vermos pessoas pretas e indígenas assumindo locais, em grande maioria, ocupados por pessoas brancas. Os altos cargos da gestão pública brasileira não possuem negros e negras entre seus quadros, na maioria das vezes estamos literalmente, limpando o chão ou servindo o café, esse trabalho não é degradante, mas também queremos ver negros juízes, administradores de estatais, em diretorias de bancos públicos em número bem maiores que os que existem hoje. A proposta aprovada possui esse viés, reconhecer uma dívida histórica de nossa nação com o povo preto, se lá atrás, quando do fim do escravismo não tivemos competência de fazê-lo, o façamos agora.
A proposta seguirá diretamente a Câmara dos Deputados se no mínimo de 9 senadores não requererem, até o dia 13/05, sua votação em plenário. Provavelmente tenhamos essa votação em plenário, pois membros do PL, PSDB, União Brasil e Republicanos conseguiram 8 votos contra o projeto de Lei, precisam da adesão de mais um senador para impor uma votação no plenário da casa alta do legislativo brasileiro. O argumento de Sérgio Moro (União Brasil), Flávio Bolsonaro (Republicanos), Plínio Valério (PSDB), Rogério Marinho (PL) e Carlos Portinho (PL) contra a proposta é que não precisamos de cotas raciais, mas sim, cotas sociais.
Esse argumento tenta escamotear o racismo estrutural existente no país. Apesar da população preta representar 72,9% dos mais pobres do país, a proposta não atenderia o reconhecimento étnico que precisamos fazer nesse país. É preciso empretecer a administração pública, considerando que somos 2/3 dos pobres, nada melhor que a Lei estabelecer que a cota nos concursos tenha como princípio balizador a etnia, preconizando que pretos e indígenas estejam entre os concursados sendo tratado afirmativamente, num reconhecimento histórico feito pelo nosso povo, por meio do voto de 17 senadores na CCJ.
Não reconhecer essa necessidade é promover cada vez mais a discriminação contra parcelas significativas de nosso povo. Em Roraima, recentemente tivemos a posse dos membros do conselho da igualdade racial, último estado a constituir formalmente esse espaço dialógico. Acredito que uma das primeiras medidas do CONSEPIRR deva ser promover a regulamentação de cotas para pretos e indígenas nos concursos públicos estaduais, o mesmo deve ocorrer nos municípios. Isso, em virtude da meritocracia defendida pelos racistas não responder as exigências econômicas e sociais impostas aos pretos e indígenas. Por isso, precisamos empretecer os espaços públicos em Roraima, especialmente o nosso judiciário, composto quase que exclusivamente por pessoas brancas que ajudam a trancafiar as pessoas pretas e indígenas.
De forma inteligente o relator adotou o mesmo conceito de participação previsto nas cotas direcionadas ao ensino superior, ou seja, a reserva de vagas é destinada a pretos, quilombolas e indígenas, independente de pessoas dessas etnias terem sido aprovada na ampla concorrência, onde todos disputarão de forma igualitária as vagas. As vagas reservadas de 30% são exclusivas para o grupo populacional elencado na Lei, independente de outros terem sido aprovados na ampla concorrência. Esse modelo de mensuração da ação afirmativa, em poucos anos transformará a realidade de nossos espaços públicos federais, espero que em Roraima também.
Notícias falsas
Uma das marcas comuns na grave tragédia humana que vivenciamos com nossos irmãos e irmãs do Rio Grande do Sul tem sido a produção de notícias falsas, as quais são impulsionadas por elementos que possuem nas redes sociais sua principal fonte de renda, para isso milhões de visualizações significa muita grana no bolso. No entanto, muitos utilizam da mentira como ferramenta aglutinadora de atenção, principalmente aqueles vinculados ao projeto autocrata da extrema-direita. Agora, se uma pessoa que é capaz de produzir mentira em tamanha comoção nacional, é capaz de muito mais maldades, não acha?
No intuito de combater mentiras que envolvem o governo federal, a advocacia geral da união, promoveu duas medidas importantes que trazem a estrutura de defesa do governo federal a devida atuação. A primeira delas consiste em uma ação judicial solicitando direito de resposta as acusações falsas propaladas por Pedro Marçal de que as forças armadas estão inertes na ajuda aos gaúchos. A outra medida consiste numa ação extrajudicial, encaminhada ao ‘X’ solicitando que os vídeos e as postagens que afirmam que o governo federal deixou de ajudar o Rio Grande do Sul para financiar o show da Madona contenha uma tarja informando que não houve dinheiro do governo federal para realização do show.
No mais é incompreensível como políticos e engajadores sociais utilizem suas redes para tentar atingir adversários políticos com mentiras. É fundamental que a sociedade brasileira deixe de potencializar esses canalhas, os quais mesmo diante do sofrimento de milhões de pessoas buscam apenas regorjear de suas profundas e descompensadas atitudes. As vezes imagino um monte de marmanjo, igual crianças de 6 anos, mostrando uns para os outros suas travessuras, no caso daqueles atos inconsequentes que podem afetar diretamente a vida de pessoas. Como espalhar notícias falsas de que crianças estão sendo sequestradas nas cidades imundadas, quando dezenas de pais procuram por seus filhos e filhas. Quem divulga mentira sobre os fatos ocorridos nos pampas é tão criminoso quanto as pessoas que estão promovendo assaltos às residências alagadas. Não há diferença alguma nesses pusilânimes.
Corrupção
A cidade das preces da semana santa tornou-se mais uma a ter uma ação da polícia judiciária federal que anda investigando desvio de dinheiro público em Roraima. Em 1 ano de 4 meses da atual gestão já foram várias operações que realizam prisões e apreensão de documentos. De setores do governo estadual as prefeituras, recentemente as do Bomfim e Mucajaí, em breve teremos outras a receberam visitas no raiar do dia de agentes da PF. A operação de ontem estima que deva ter sido desviado, por servidores públicos que fraudavam processos licitatórios, cerca de R$2milhões. Recentemente tratei aqui de quase R$500 mil de propina aprendido com o chefe da CPL do Bomfim e o motorista do Prefeito. O problema é que a população não consegue ver o resultado prático dessas ações, com dinheiro sendo devolvido e pessoas presas em virtude de seus crimes, se comprovadas suas participações nos delitos. Como trata-se de desvio de dinheiro público, devíamos ter a obrigatoriedade de a justiça disponibilizar na internet cadastro das pessoas condenadas, com respectivas penas e valores devolvidos.
SPVAT
O seguro obrigatório para vítimas de acidente de trânsito, aprovado, ontem, pelo senado federal e enviado para sanção do Presidente da República, consiste em uma correção de um grave erro institucional cometido em 2021 quando foi extinto o DPVAT. A proposta é reformulada e deve financiar indenizações a pessoas que ficam invalidas ou morrem em acidentes de trânsito, as quais eram penalizadas em virtude de serem as principais vítimas de motoristas imprudentes que em seus carros matam pelas ruas do país. As famílias mais pobres que andam a pés, de ônibus ou bicicleta e veem seus parentes serem assassinados necessitam desses recursos para garantir o cuidado dos seus familiares. Os recursos a serem arrecadados ainda terão parte destinado ao financiamento de Municípios e Estados para seus programas de educação no trânsito. A oposição tenta apresentar a criação do seguro obrigatório como mais um imposto, algo incompatível com a efetiva realidade, consiste em um instrumento de segurança jurídica e de proteção a vida, já que poucos são os que conseguem pagar um seguro privado.
Onde vamos?
A gestão do cuidado aos povos indígenas sofreu durante anos com um completo desmonte, como já abordei em outros momentos por aqui. No entanto, existe questões que não são explicáveis e que ocorrem neste governo que se alvoroça como promotor da valorização dessas pessoas que formam o país e foram massacradas pelo modelo colonizador, seja na época da colônia, do império ou da república. Recentemente um grupo de Yanomami foi retirado de uma comunidade, em virtude de conflitos lá existentes, o total de 19 cidadãos e cidadãs, entre eles 10 crianças, vieram para Boa Vista, ficaram em um determinado lugar por 10 dias, esperando o deslocamento de avião para outra região.
Nenhum trabalho foi feito pela frente de proteção etnoambiental yanomami e ye’kuana na comunidade de chegada desses indígenas, muito menos na comunidade onde ocorria o conflito. A situação concreta diante da omissão foi que tiveram que deslocar os indígenas para Boa Vista novamente, deixando-os no mesmo lugar, sem assistência alguma do Estado brasileiro, largados ao léu, como se fala na rua. Após, 30 dias, as pessoas que ajudavam no cuidado da estadia na cidade, ante a omissão pública, conseguiram convencer a locomoção deles para sua comunidade, por meio da frente de proteção.
Numa visita rápida a comunidade constatou-se que o conflito provocou a queima da casa e a destruição da roça desses indígenas. Essa situação exigia que o poder público definisse um plano de ação específico para proteção dessas pessoas que se encontravam em condições de vulnerabilidade social e de saúde. O que faz o poder público? Desloca os indígenas e os deixa na vicinal 14, em uma área de fazendas, ampliando as condições de vulnerabilidade das pessoas e o risco de morte das crianças, dentre estas 2 já retornaram com a mãe para Boa Vista, em virtude de estarem passando mal. Os demais retornam andando para Boa Vista novamente. A irresponsabilidade administrativa, humana e indigenista da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’kuana levará em breve, o governo Lula, ficar lado a lado com Bolsonaro no banco de réus que cometem crime contra populações vulneráveis. Esse é o caminho. Não ver quem não quer e aqueles que utilizam os Yanomamis apenas para garantirem seus salários.
Bom dia, com alegria.
Fábio Almeida
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