O plano diretor possui entre suas diretrizes a obrigação de orientar a ocupação do solo urbano, buscando solucionar interesses coletivos e difusos, dentre eles a preservação ambiental e a memória histórica de uma cidade. Uma de suas exigências é a participação comunitária no âmbito da execução do plano de trabalho. Nossa capital Boa Vista enfrenta neste momento a revisão do seu plano diretor, aprovado no ano de 2006.
A Lei federal 10.257/2001 estabelece os objetivos do plano diretor, assegurando a qualidade de vida, justiça social, desenvolvimento de atividades econômicas, tendo como referência o espaço geográfico do município. Todos os municípios com mais de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas, integrem áreas de interesse turístico, em áreas com atividades econômicas com grande impacto ambiental, ou possua áreas de risco de desastre devem obrigatoriamente elaborar seus planos diretores como instrumento de ordenamento do território.
Boa Vista possui 5.687 Km², a revisão do instrumento legal deve contemplar as áreas urbanas e rurais. O problema é que o documento apresentado como primeira peça técnica, como veremos abaixo, invissibilizam vastas áreas que geram impactos ambientais, a exemplo do parque térmico de geração de energia localizado na gleba murupu ou toda a área rural, exceto os assentamentos do INCRA, porém o projeto de assentamento existente no passarão não surge como uma organização social dentro da cidade de Boa Vista. Essa omissão, seja por imperícia ou má fé, relega muitas dificuldades aos trabalhadores e trabalhadoras em acessar políticas públicas.
O primeiro plano diretor de Boa Vista foi aprovado no ano de 2006, deveria ter iniciado sua revisão em 2016, no entanto ocorreu um atraso de 7 anos que impactam diretamente a vida dos moradores da cidade. Muitos foram os problemas que na época da aprovação deixaram de ser enfrentados, mantendo dificuldades à vida dos boa-vistenses devido a não regulação de critérios objetivos, quanto ao crescimento da cidade, definição de áreas residenciais, áreas mistas com residência e empresas, áreas com permissão de atividades industriais. Esses são pontos essenciais a integrarem o plano diretor neste momento de revisão.
Algumas questões precisaram ser reguladas de forma efetiva pela gestão municipal. Um dos problemas na qualidade de vida que enfrentamos surgiu a partir da permissividade da construção de moradias a margem direita da BR 174 norte, onde se encontram os bairros Aracelis Souto Maior, São Bento, Raiar do Sol e Nova Cidade os quais ficam expostos à poluição do ar oriunda das atividades existentes no distrito industrial. Será fundamental legislar claramente sobre os níveis de particulados expelidos pelas indústrias, a fim de evitar processos de adoecimento da população e consequentemente ampliação de gastos na saúde. Quem nunca passou pelo fumacê poluidor de vias áreas ali na BR 174?
Outro grave problema consiste no direito de ir e vir que foi completamente negligenciado em virtude da ineficiência no estabelecimento do que era área urbana e área rural. Muitos são os boa-vistenses que possuem ampliado seus custos financeiros devido à ausência de um plano mobilidade que permita o direito de locomoção, ante os projetos públicos ou privados de conjuntos habitacionais, a exemplo do João de Barro que possui uma população de baixa renda, obrigada a gastar recursos com duas passagens, devido os meios alternativos não chegarem até o bairro, já os ônibus circulam por lá apenas 4 vezes ao dia, a cada 6 horas.
Essa realidade atinge duramente outras localidades a exemplo do cruviana, conjunto cidadão, monte cristo, monte das oliveiras entre outros bairros da capital. Portanto, a elaboração de um plano diretor eficiente é necessário para que possamos garantir qualidade de vida aos boa-vistenses. Essa qualidade de vida deve ser garantida pelo acesso a moradia, equipamentos de saúde e educação, lazer, esportes e locomoção, bem como a garantia de locomoção.
O novo plano diretor de Boa Vista deverá conter: a) delimitação da área urbana; b) política de alienação onerosa; c) quais as áreas poderão ter empreendimentos residenciais e empresariais construídos; d) quais as áreas que poderão ser permitida a alteração do uso do solo; e) quais os serviços poderão ser executados de forma consorciada com outros Entes federados; f) regulação do direito de construir; g) sistema de acompanhamento e controle; h) parâmetros de parcelamento do solo; i) áreas suscetíveis a desastres; j) política de realocação de pessoas que moram em área de risco; l) política de drenagem; m) diretrizes para regularização de assentamentos precários; n) diretrizes para manutenção das áreas verdes e redução da impermeabilização.
A elaboração do diagnóstico é o passo central a confecção de um bom plano diretor. Desta forma, temos problemas sérios no documento elaborado pela empresa IBAM, contratada pela PMBV para elaborar o plano diretor. Por exemplo, as áreas de colonização não aparecem no mapa de Boa Vista, constante na página 09 do documento apresentado pela empresa. Por exemplo, as áreas do Monte Cristo, Água Boa e Passarão não aparecem como áreas rurais densamente ocupadas. Isso impacta diretamente no direito de locomoção da classe trabalhadora que presta serviços nessas localidades e são invisibilizados pelo poder público, bem como na projeção de acesso a outros equipamentos públicos.
A área urbana em expansão utilizada como parâmetro pela empresa contratada foi aprovada pela Lei 1.359/2011, ainda no governo de Iradilson Sampaio. A área deve obrigatoriamente conceber a existência dos mananciais e lagos, os quais podem ser aproveitados como áreas de lazer, evitando que os erros cometidos com o aterramento de lagos continuem a transformar a vida das pessoas em caos no período de chuvas. Por isso, precisamos que o novo plano diretor preveja a existência de áreas verdes que permitam a coexistência de pessoas e ambiente.
É necessário que a legislação de parcelamento do solo seja mais clara quanto aos limites construtivos. Esse ordenamento legal é fundamental para regulamentar restrição que possam dificultar a qualidade de vida dos boa-vistenses. Por exemplo, várias são as solicitações de imobiliárias para ocupar as margens do rio Branco com edifícios. Essa medida pode ampliar imensamente as ilhas de calor, em virtude da diminuição da circulação de ventos pela cidade, vindos em grande maioria do nordeste e leste.
É fundamental que a construção de prédios residenciais seja projetada para as áreas de ampliação da zona urbana, impedindo que as áreas próximas às margens do rio Branco sejam ocupadas por prédios. Essa regulamentação é necessária no novo instrumento de ordenamento do parcelamento do solo em Boa Vista. Permitir que os proprietários regulem o uso pelo seu interesse impõe graves problemas como o enfrentado no São Pedro ou no Caçari, onde temos investimentos imobiliários agredindo áreas de preservação ambiental e vedando passagem das pessoas ao principal manancial hídrico de nossa cidade.
No documento apresentado, a empresa contratada propõe que templos religiosos, atividades industriais e prédios institucionais possam ser implantados sem o devido estudo de impacto de vizinhança. Precisamos manter a atual normatização existente na Lei 926/2006 e suas alterações. A proposição da revisão do atual artigo 36 é um dos debates que devem ser feito pela sociedade, pois o direito a cidade, deve claramente sustentar-se no direito a uma vida tranquila, com participação social e negociação de impactos na vida das pessoas sobre empreendimentos públicos ou privados a serem criados.
Por exemplo, o Governo do Estado, promove no parque anauá a construção de uma pista de arrancada. Acredito ser um investimento importante para quem gosta deste tipo de esporte. No entanto é plausível esse tipo de investimento próximo a áreas residenciais? Claro que não. A qualidade de vida das pessoas que moram nas ruas Pernambuco, Rio Grande do Sul, Amapá, Goiás próximas ao limite da zona de restrição do aeroporto será transformada em um transtorno. Por isso, os estudos de impacto de vizinhança são fundamentais serem mantidos na legislação.
Outro problema central no processo de organização do parcelamento urbano é a não inclusão dos equipamentos comunitários privados na conformação das realidades existentes e fundamentais ao planejamento da ocupação da cidade. O mesmo equívoco existe em relação aos equipamentos de saúde, onde são considerados apenas os equipamentos públicos. A empresa reproduz a mesma diretriz aos equipamentos de cultura e lazer, considerando apenas os equipamentos públicos. Esse é um erro de planejamento de grande impacto na configuração do plano diretor, pois deixa de mensurar entraves que interferem no ordenamento da cidade.
A sociedade boa-vistense deve se apropriar deste debate para que interesses imobiliários não venham a prejudicar nossa vida. A cidade deve ser uma estrutura inclusiva e pautada no bem estar de seus moradores. A participação na audiência pública de amanhã, a ser realizada na praça do Nova Cidade, as 18:30h, quando estará sendo apresentado o diagnóstico técnico, é muito importante para todos nós. A cidade nos pertence e precisamos participar de seu ordenamento, a fim de que políticas públicas ineficientes e excludentes, como a proposta da zona azul na área comercial, de 2020, feita por esse grupo político não volte a interferir em nossas vidas.
FARRA FAMILIAR
Um das coisas que o Senador Hiran Gonçalves sabe fazer no espaço público é proteger os interesses de sua família. Além da esposa e do filho, agora ele consegue emplacar o cunhado como secretário adjunto de uma das recentes pastas criadas por Denarium. Quando se elegeu em 2018, o Governador dos Ricos afirmava que iria realizar uma reforma administrativa e reduzir o número de secretarias de estado. No entanto durante a sua primeira gestão criou algumas secretarias extraordinárias para atender interesses familiares e de aliados políticos. Neste segundo mandato algumas das secretárias extraordinárias começam a torna-se permanente, ontem mais alguns agraciados com salários maravilhosos – para uma realidade de cerca de 50% de roraimenses que sobrevivem com até ½ salário mínimo – foram nomeados para Secretaria de Licitação e Contratação e a Secretaria de Governo Digital. A farra com dinheiro público para atender interesses privados do governo continua a dilapidar os recursos públicos, enquanto nosso povo passa fome e vive sem estradas e com ventiladores caindo na cabeça de alunos.
GRILAGEM
A grilagem de terra é uma realidade no Estado. Quando em 2009, o governo federal transferiu as terras para gestão do governo do estado, a farra foi imensa. Tivemos secretário preso, políticos investigados, grileiros na cadeia. No fim não deu em nada e a farra continuou, até ser regularizado por Denarium com a alteração da Lei de Terras, ao trazer para 2016 o marco temporal da ocupação mansa e de boa fé, anteriormente esse marco referencial era a data do Decreto 6.754, assinado por Lula, como contrapartida pela demarcação da Raposa Serra do Sol.
Nesta semana mais um representante de um assentamento para pequenos produtores denuncia a utilização da justiça para tentar deslegitimar áreas ocupadas por pequenos agricultores. A contenda jurídica envolve a região do assentamento estadual Genipapo (Cantá), atingida por uma decisão judicial, proferida pelo juiz Jarbas Lacerda de Miranda, segundo o presidente da associação da localidade a comunidade foi surpreendida por uma decisão judicial que divide as terras onde produzem sua subsistência para duas pessoas, um suposto vendedor e outro comprador. Segundo o representante da comunidade em nenhum momento foram chamados para se pronunciar no âmbito do processo. O pior é ter a justiça já se pronunciado contra o pedido dos grileiros.
Uma área ocupada pelo MST em 2020, em Mucajaí, comprovadamente pública teve uma reintegração de posse dada pela comarca daquele município a um empresário e fazendeiro da região, deixando dezenas de famílias sem o direito de produzir e a justiça ratificando grilagem. Esses históricos judiciais surgem constantemente, tendo em vista a fragilidade de nossos órgãos de terra e a má fé de grileiros. Esse quadro ante uma justiça distante do povo profere decisões como essa vivenciada pelos agricultores familiares do Cantá.
RETOMADA DO REFINO
A desestruturação das refinarias de petróleo iniciada no governo Temer e potencializada por Bolsonaro começa a mudar de direção com a nova direção da Petrobras. Após o redirecionamento da política de preços da petroleira, levando ao barateamento do combustível ao povo brasileiro – lembro que o litro de gasolina, antes do corte de imposto em meados de 2022 chegou a quase R$ 8,00 em Boa Vista. Agora, a empresa começa a retomar a política de refino, com essa medida a tendência é que fiquemos cada vez mais autossuficientes na produção de derivados, consequentemente deixemos de importar combustíveis e fertilizantes. A estimativa é gerar apenas na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, cerca de 30 mil empregos. A medida também fortalecerá a produção local de bens de capital para atender as necessidades da empresa.
POVOS INDÍGENAS
Hoje é comemorado o dia internacional dos povos indígenas. Aqui em RR uma programação realizada na UFRR possibilitará um debate sobre os avanços e as possibilidades de retrocessos existentes e expostas na última quadra histórica. A defesa dos direitos conquistados e da vida, além da proteção ambiental, marcam a luta política dos povos indígenas na atualidade, ante o crescimento do racismo e preconceito que se espraia por vários ambientes, inclusive nas mais variadas falas de mandatários, os quais em confronto a constituição, defendem, por exemplo, garimpo em terras indígenas.
Um dos principais temas existentes é o debate da tese do marco temporal que busca limitar o direito a posse da terra a existência de indígenas sobre a parcela reivindicada no dia da promulgação da constituição, em outubro de 1988. Além, deste tema central, algumas questões essenciais no âmbito das políticas públicas são impulsionadas também pelo movimento indígena. Entre elas é possível destacar a melhoria da educação diferenciada, o fortalecimento do subsistema de atenção à saúde indígena, as políticas de autossustentabilidade e o combate ao preconceito.
Em relação ao combate ao preconceito são lamentáveis as falas racistas proferidas por estudantes da rede de ensino de Roraima contra indígenas que participam dos jogos escolares. Uma equipe feminina que disputava um jogo de futebol ouviu palavras de ordem racistas e preconceituosas. A SEED corretamente determinou que fosse instaurada uma investigação e as escolas que praticarem atos de preconceito contra indígenas serão penalizadas.
No entanto, neste dia de comemoração saudemos o aumento do número de indígenas no país, demonstrado pelo censo de 2022. Esse crescimento é fruto concreto da garantia dos territórios, do acesso à educação e às políticas de cuidado de saúde. Saudemos a luta e a organização do movimento que com exemplos concretos demonstra que a unidade de ação é passível de superar os racistas e as oligarquias incrustadas nos espaços de poder, tanto da esfera privada, quanto pública. Parabéns ao movimento indígena.
Bom dia com alegria.
Fábio Almeida
fabioalmeida.rr@gmail.com
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