O desfile das escolas de samba, cada vez mais, transforma suas apresentações em temas concretos da luta do povo brasileiro, neste ano, das 12 escolas que desfilaram, no Rio de Janeiro, sete levaram temas centrais que apresentaram debate sobre negritude, indiginismo, mulheres e cigano. Essa retomada de enredos que buscam reconstruir o debate histórico brasileiro, promovendo uma descolonização sobre pontos invisíveis da luta e vida de nosso povo é de bom grado, além de permitir releituras importantes sobre parcelas do nosso povo que foram resistência.
A Viradouro campeã do carnaval trouxe como tema as Guerreiras de Mino e sua relação mitológica com o culto do Vodun, representado por uma serpente. O debate central sobre a visibilidade da mulher como parte da consolidação histórica de nosso povo – em virtude de várias terem sido escravizadas partindo do Reino de Daomé para garantir lucros a corte portuguesa – consiste em novas releituras dos processos políticos que por aqui se organizaram, especialmente com a resistência negra a escravidão, tendo no aquilombamento seu principal grito de liberdade e organização, ecoado também pela Portela quando afirma que nasceu quilombo e cresceu favela.
Já a Vila Isabel veio cantando a cultura Yourubá e o papel das crianças na salvação do mundo, ante males que perpassam “famílias de bem” que enaltecem o ódio como ferramenta de relações sociais. As quais estiveram presentes no desfile da Paraíso do Tuiutí ao fazer retornar a avenida João Cândido, nosso Almirante Negro, que ao lado de centenas de outros homens chicoteados e humilhados pela marinha brasileira, mesmo após o “fim da escravidão”, levantaram-se e disseram não, na conhecida revolta da chibata que além de condenar os castigos físicos, lutava pelo direito à moradia, pois nesse período vivíamos na capital federal de 1910, a ressignificação do espaço urbano com o fechamento dos cortiços e a subida da população negra aos morros e ocupação dos mangues.
A fome uma mazela que assola milhões de pessoas mundo afora também era uma das bandeiras dos marinheiros do Minas Gerais, sendo expressa na avenida, pela Imperatriz Leopoldinense, que trouxe a magia cigana de encantamento e conhecimento, uma cultura que resiste a forçosa necessidade do Estado Nação, uma construção burguesa para impor sua ditadura do capital. No entanto, indígenas e negros construíram seus caminhos de sobrevivência, como apresentaram a Beija-Flor, a Grande Rio e a Salgueiro, com sambas que buscam demonstra a resistência, expressa especialmente por meio da cultura como na estrofe “Ya Temi Xoa”, ainda estamos aqui, cantada pelo Salgueiro e por milhões de brasileiros e brasileiras.
A letra do samba-enredo do Salgueiro vai muito além de um grito de resistência e persistência dos povos da TI Yanomami, ao afirmar que sua luta é sobreviver, portanto não irão se render “a ordem e ao progresso” de nossa colonização que maltrata o chão de Omama. Uma das passagens mais empolgantes consiste no prenuncio de que os indígenas tiveram que apreender a língua do opressor para demonstrar que seu penar, também é a dor de quem defende a tirania na bateia que contribui para nossa extinção. O chamado permite uma reflexão concreta sobre o modelo de “desenvolvimento” imposto a Amazônia, o qual consiste na reprodução dos mesmos erros anteriores, ao consolidar traumas, dores e morte.
A incursão na cultura Yanomami foi uma grande deferência da escola de samba a este povo de recente contato, as primeiras efetivas incursões do estado brasileiro ocorre com o Polororaima, nos idos de 1975 que estabeleceu a atual terra indígena como um polo produtor de minérios. O suplício de um povo em nome de um quinhão que aumenta a concentração de renda, destrói o meio ambiente e ceifa a vida de indígenas e não indígenas nãopode ser aceito. Ao transpor essa luta para arte, como propõe o artivismo indígena, fomenta-se uma multiplicidade de cenários desconhecidos ao espaço público, reconfigurando as vozes que versam sobre temas singulares, mas de grande apelo humanitário. Tendo em vista a opressão econômica e institucional cantada no samba que levou a terra-floresta e o bem viver para a Sapucaí.
Vai-Vai
Em São Paulo o bolsonarismo resolveu crucificar a escola de samba que trouxe como um dos temas a violência policial contra a cultura popular, especialmente o Rap, Hip Hop e o breaking, nos idos da década de 1990. Nesse período um estilo de vida, o sair do gueto, o cantar a violência policial foi reprimido com muita força pelas forças de segurança do Estado, impondo realidades duras para muitas famílias e jovens, onde uma roupa era sinônimo de vagabundice, como foi num passado o samba, o pandeiro ou a capoeira. A principal referência dos carnavalescos foi o álbum dos Racionais MCs, sobrevivendo no inferno, cujas letras mostram além da exclusão social e econômica, a exclusão do direito a existir, do direito de gritar por liberdade.
Uma ala da escola de Samba, cujo nome é o mesmo do LP dos Racionais, trouxe a caracterização da tropa de choque de São Paulo com chifres, referenciando o demônio. Isso foi o suficiente para que as forças policiais, seduzidas pelo conservadorismo cristão – lembremos que as tropas participam ativamente de cultos em igrejas neopentecostais – levantassem sua voz contra a referência coreográfica que reproduz o olhar de grande parcela do povo da periferia quanto a atuação das forças de segurança. A sátira representa o terror do demônio, uma simbologia conhecida por todos, neste país cristão, associando-a tropa de choque. Minha surpresa não foi ver a escola satirizar a polícia, mas sim, a corporação não retirar do fato um processo de ressignificação de sua atuação. O que querem os bolsonaristas? Censurar a forma de representação da arte, solicitando que a escola de samba seja excluída do acesso a recursos públicos, permitir esses abusos são passos para incitação a censura na arte.
O Ato da direita
Um processo de contradição completo. Vejamos. A direita e seu braço extremado é investigado por tentar promover um golpe de Estado, após a derrota eleitoral para Lula, em outubro de 2022. A investigação conseguiu acessar um vídeo, onde o ex-presidente da república e vários ministros tratam abertamente do processo de manutenção do poder e que os atos a serem praticados deveriam ser implementados antes da votação. Após, as operações realizadas, pela polícia federal, que prenderam militares da ativa e reserva e impuseram restrições a outros investigados, Bolsonaro resolveu convocar um ato nacional em defesa do estado democrático de direito.
Como assim? A pessoa, “Caralho”, cobrava que era preciso fazer algo para evitar a derrota eleitoral, mesmo que tivesse que romper com a institucionalidade, queria prender ministros do STF e eliminar seus adversários políticos. Resolveu defender a democracia? É muita cara de pau. O pior é vê-lo em seu vídeo mequetrefe de convocação se apropriar da camisa da seleção brasileira, ao afirmar que importará é a foto, ou seja, para Bolsonaro e seus apoiadores, a foto e as filmagens são mais importantes neste processo. Acredito que o detentor do processo não deveria inviabilizar a participação de Bolsonaro no ato convocado, ele espera isso para ampliar sua vitimização. Passando de golpista a perseguido político. Muito menos deve movimentos opositores tentar promover atos no dia, mesmo que em locais diferentes, não precisamos deste tipo de confrontação.
O ato do bolsonarismo consistirá na prática em mais uma afronta ao Estado Democrático de Direito, podendo resultar na prisão de Bolsonaro por novos ataques, especialmente ao STF. A proposta é retomar a mobilização de sua base de apoio, potencializando o processo eleitoral de 2024, por meio do vitimismo. É fundamental que as organizações defensoras da democracia possam posterior ao ato emitir opiniões públicas quanto aos ataques e organizar um grande ato público suprapartidário em defesa da democracia. Não podemos, como no passado, perder as ruas para direita extremista brasileira. Tratar esse ato como mais uma das idiossincrasias do ex-presidente será um erro dos defensores da democracia. Vejamos como se saí o bolsonarismo golpista no dia 25/02/2024.
Emenda PIX
A emenda constitucional 105/2019, aprovada no início do governo Bolsonaro virou uma verdadeira caixa de pandora que desregulamenta completamente o processo de aplicabilidade dos recursos públicos da União. Em primeiro lugar a transferência realizada a pedido de um parlamentar não possui objetivo específico amparado em alguma política pública definida no orçamento. A grana é recebida sem relação alguma com qualquer política pública, seja de âmbito federal, estadual ou municipal. A única exigência sobre o recurso, que ao ser transferido deixa de integrar o orçamento federal e passa a pertencer ao Ente recebedor, é que no mínimo 70% sejam direcionados a despesas de capital não financeiro, ou seja, construções, aquisições de equipamentos, entre outros ganhos de capital e o máximo de 30% seja direcionado para custeio da máquina pública, com exceção de pagamento de pessoal e encargos da dívida.
Desde sua criação já foram transferidos para o orçamento de outros Entes R$13 bilhões, em 4 anos nós temos por exemplo a destinação de uma vez e meia o orçamento do Minha Casa Minha Vida, sendo que neste programa sabemos o destino do dinheiro: moradia popular. Enquanto, na emenda PIX desconhecemos o efetivo destino das receitas que podem servir para comprar quites de robótica superfaturados. Roraima recebeu R$ 385 milhões entre 2020 e 2023. Os municípios de São Luiz e Iracema concentram R$132 milhões, jáa cidade de Boa Vista recebeu apenas R$6,9 milhões, apesar de concentrar 63,11% da população de Roraima, demonstrando a irracionalidade do método de transferência.
O senador Chico Rodrigues destinou ao Prefeito James Batista, de São Luiz do Anauá, R$14,9 milhões, Edio Lopes R$6,1 milhões, Jhonatan de Jesus R$3,9 milhões, Mecias de Jesus R$4,5 milhões, Nicoletti R$5 milhões, Ottaci R$14,2 milhões, Sheridan R$10,9 milhões e Telmário Mota R$ R$26,8 milhões. Já o Prefeito Jairo, de Iracema, recebeu recursos de Chico Rodrigues de R$4,3 milhões, Hiran Gonçalves R$6,2 milhões, Jhonatan de Jesus R$11,7 milhões, Mecias de Jesus R$5,8 milhões, Nicoletti R$8,5 milhões, Ottaci R$7,4 milhões, Sheridan R$4,5 milhões e Telmário Mota R$ R$2 milhões. Quais os bens de capital foram adquiridos nesses municípios?
O recurso milionário sem rubrica especifica para serem gastos, transferidos para Iracema e São Luiz do Anauá concentram 34% do total dos repasses das emendas esoeciaus para Roraima, destes recursos R$77,2 milhões foram transferidos em 2023, sendo R$31,2 milhões para Iracema e R$46 milhões para São Luiz. Já que o governo federal não pode auditar a aplicação destes recursos é fundamental que os parlamentares possam esclarecer em que o dinheiro de nossos impostos foram aplicados? Devido ao TCE e MPE tá tudo dominado, como se fala nas ruas de BV.
As transferências de emenda PIX tão desejada pelos Prefeitos e Governadores possui campeões de envios, sendo eles: Mecias de Jesus R$53,8 milhões; Chico Rodrigues R$43,3 milhões; Jhonatan de Jesus R$40,9 milhões; Edio Lopes R$38,8 milhões, dos quais R$16 milhões foram empenhados em 2023, ao município de Mucajaí, administrado por sua esposa; Telmário Mota R$37,4 milhões, sendo R$33 milhões em 2023 e R$18,7 milhões para São Luiz do Anauá; Ottaci Nascimento R$34,9 milhões; Shéridan R$32,4 milhões; Hiran Gonçalves R$31,3 milhões; Nicoletti R$29,1 milhões, sendo R$15,8 milhões já no Governo Lula; Haroldo Cathedral R$ 27,5 milhões; Joenia Wapichana R$15,3 milhões.
Dados do tesouro transparente demonstram que de FPM do município de São Luiz do Anauá, em 2023, foi de R$4,82 milhões. Portanto, os repasses de emenda PIX representam quase 10 vezes o FPM anual. Esses recursos foram aplicados nas luzes de natal? Será que escolas ou creches foram construídas? Quadras esportivas foram idealizadas? Ou mesmo ambulâncias ou medicamentos foram comprados? A clareza na administração destes recursos é fundamental, pois como são desvinculados da execução de políticas públicas pré-estabelecidas nos orçamentos podem servir para ampliar os variados esquemas de corrupção existentes em Roraima.
Eleições 2024
Passado o carnaval os partidos políticos retomarão suas atividades rumo ao pleito de 2024. Em Roraima poderá ser para eleger Governador e Prefeitos, além, lógico, de nossos Edis representantes do “povo”. A caracterização eleitoral demonstra que a disputa ficará entre a direita, em um campo capitaneado pelo MDB e sua Ponte para o Futuro e noutro o PP e seu projeto concentrador de renda e riqueza, baseado na produção de grãos. O povo é apenas um detalhe que na maioria das vezes se resolve com cargos comissionados quando a "família de bem" é da classe média, com contratos públicos quando essa família é rica e na maioria das vezes com cestas básicas, neste Estado de famintos e excluídos. Saúde, Educação, Meio Ambiente, Cultura, Violência contra Mulheres e Crianças, Populações Vulneráveis, Moradia Popular, Transporte Coletivo eficiente e barato. Todos esses temas são detalhes, para uma parte cada vez maior do eleitorado, importa tentar pegar sua migalha do bolo no sujo chão da corrupção. Enquanto isso, nossos jovens são seduzidos pelo crime organizado, mesmo as polícias estando dentro das escolas, ao invés de combatendo o crime nas ruas e vicinais. Quanto à esquerda continua a contemplar a Cruviana, deitada numa rede de algodão, trançada muitas vezes de forma inábil por dirigentes que não conseguem efetivar um debate político concreto com a classe trabalhadora, grande parte desta desempregada.
Bom dia com alegria.
Fábio Almeida
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