Na noite de ontem, 22/05/2024, a câmara dos deputados demonstrou por sua maioria seu recorte de classe, ao criar penalizações para pessoas que lutam pela terra, em um país burguês que se absteve de realizar a reforma agrária. A aprovação do projeto criminaliza pessoas que lutam pelo direito de dar função social terra, conforme estabelece o artigo 5º da constituição, a qual muitas vezes se constituem em áreas de exploração econômica, seja nas cidades ou no campo, descumprindo o artigo 184 da Constituição Federal e o artigo 12, do Estatuto da Terra, Lei 4.504/1964.
Ante governos que não possuem coragem de implementar um amplo programa de reforma agrária, resta aos sem-terra a luta política, a qual não pode se estabelecer no parlamento burguês, pois lá, temos 82% dos mandatários que se identificam como empresários do campo ou da cidade. Portanto, consolidar efetivos programas de pressão política, por meio do legislativo, não é o caminho - se algum enfrentamento da classe trabalhadora é possível apenas pelo parlamento. Resta dessa forma os embates políticos estabelecidos pelo processo de ocupação de terras, para pressionar governos e visibilizar a sociedade sobre as reais condições do povo.
A proposta legislativa altera a Lei 8.629/1993, instrumento legal que regulamenta os dispositivos constitucionais sobre a reforma agrária. Agora também, um dispositivo inconstitucional que regula penalidades concretas a luta política da classe trabalhadora que vê a cada ano milhares de hectares serem grilados por fazendeiros, a exemplo do que ocorre nas fundiárias do PA Ajarani, no município de Iracema, com aval do Estado, onde 80 famílias veem ameaçadas 13 anos de história produtiva na região.
Especificamente os parlamentares aprovaram a alteração do parágrafo 7º e incluíram o 7°A, no artigo 2º. O qual já penalizava com a exclusão de programas de reforma agrária as pessoas que: a) já tenha sido beneficiado pelo programa; b) ou já possua cadastro para ser assentado; c) seja identificado como participante de conflito fundiário por invasão ou esbulho de imóvel de domínio público ou privado em processo de desapropriação; d) invada prédio público; e) ameace ou mantenha em cárcere privado servidor público. Texto aprovado pelo congresso em 2001.
Ou seja, o Estado já penalizava a luta pela terra. Portanto, o que buscam os deputados federais, com sua bancada de burgos? Ampliar os limites da opressão contra o povo pobre que precisa se levantar contra essas arbitrariedades, neste país forjado na proteção dos mais ricos. O novo texto aprovado além de punir quem participa de forma direta, quer punir também quem participa de forma indireta. Portanto, jornalistas, advogados, médicos, enfermeiros, professores que prestam serviço a organização de luta pela terra passarão a ser punidos, por ajudarem de forma indireta processos de ocupação de terras improdutivas, exclusivamente por prestarem seus serviços. As punições são generalizadas a qualquer brasileiro ou brasileira, mesmo aquele que diante de uma ocupação de terra resolveu contribuir com uma lona ou mesmo um prato de comida.
A alteração inconstitucional, pois afronta direitos consagrados na constituição, consiste numa movimentação capitaneada pela bancada do Boi, com apoio da bancada da Bíblia, da Bala e de extremistas de direita, a exemplo do ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, hoje deputado federal, Ricardo Sales - aquele que em uma reunião ministerial afirmou que o governo devia aproveitar que o povo e a imprensa estavam preocupadas com as mortes de nossos parentes por Covid19 e aprovar leis de desregulamentação da gestão ambiental - o resultado dessa flexibilização vemos no RS que retalhou exigências ambientais em nome de um dito “progresso”.
Os regramentos estabelecidos consideram que até 4 anos, após o fim da ação, as pessoas identificadas em processos de ocupação de terras públicas ou privadas serão proibidas de participar do programa da reforma agrária e se tiver sido contemplado será expulso da terra. Ou seja, a proposta pretende desmobilizar ações efetivas do povo, mesmo uma reunião que debata a ocupação de terra pode ser motivo para penalização de pessoas. Assim, dirigentes de organizações de luta pela terra passarão a ser punidos. A proposta busca claramente esvaziar os movimentos, demonstrando-se claramente em um acirramento da luta de classes no país.
Os parlamentares ainda proíbem as pessoas de contratarem com o poder público, em todas as esferas, mesmo que integrem o PAA ou o PNAE, programas de aquisição de alimentos de pequenos produtores, que inclusive realiza compras em centenas de acampamentos existentes no Brasil que reivindicam a desapropriação de terras improdutivas ou o parcelamento de terras públicas, processos que nunca caminham. Ampliando a pobreza e a fome no país.
A proposta ainda veda o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais por pessoas físicas ou jurídicas que participem de ocupações. Ou seja, se a cidadã percebe o BPC e participa de uma ocupação de terra terá suspenso seu benefício. Se for um professor universitário e desenvolver pesquisas desses movimentos em processos de ocupação poderá perder sua bolsa de pesquisa, por ajudar indiretamente a ocupação. É lastimável a aprovação desse projeto que demonstra o quão longe vive esse parlamento brasileiro da realidade objetiva das pessoas.
O cúmulo do escárnio e do ódio de classe é punir pessoas paupérrimas, excluídas dos processos produtivos capitalistas da participação de qualquer programas de assistência social, inclusive o de acesso a moradias habitacionais, excluindo-se a transferência direta de renda (Bolsa Família), após a cessação da conduta. A proposta ainda proíbe as pessoas de participarem de concurso público ou serem nomeadas para cargos, empregos ou funções públicas. Também é vedado o exercício de cargos comissionados. É revoltante ver essa articulação da burguesia nacional, numa realidade fundiária que ao invés de democratizar o acesso à terra caminha para ampliar sua concentração.
Aqui é importante um parênteses, pois não podemos esquecer que o Brasil foi idealizado, ainda quando não tinha esse nome, por meio de capitanias hereditárias que consistiram na concessão, pelo Rei de Portugal, das terras do novo mundo a quem pagou por elas, não importando quem por aqui morava. Essa lógica perversa continua com fazendeiros e o Estado tombando lideranças, sem vermos punição alguma ao criminosos. Agora, os políticos, em nome de uma elite, propõe restringir direitos das pessoas pobres. Ontem, atacaram os indígenas. Hoje atacam os sem-terra. Amanhã qual será a categoria a sofrer sanções?
O inciso III do projeto de Lei 709/2023 estabelece que as pessoas que tenham cargo público efetivo ou comissionado serão desvinculados de compulsoriamente, sendo garantido sua ampla defesa, se participarem direta ou indiretamente de processos de ocupação de terras. Veja, se o afastamento é compulsório de que servirá a ampla defesa? Percebem como o projeto se constitui como um instrumento de opressão de classe, tentando vedar qualquer apoio ao processo de luta pela terra, o qual possui na ocupação de áreas improdutivas uma das ferramentas de luta. Vá ver que essa minha coluna já seria motivo de minha demissão do serviço público federal?
As penalidades impostas acima, também serão aplicadas a quem for identificado em ocupações de prédios públicos ou mantenha servidores e outros cidadãos em cárcere privado ou façam ameaças. Um ataque direto e imbécil é a proibição de repasse de recursos a movimentos sem inscrição no CNPJ, essa é uma exigência para percebimento de recursos públicos. No entanto, na ânsia de atacar movimentos sociais, a proposta veda que qualquer pessoa jurídica envolvida diretamente com organizações que promovam ocupação de terras públicas ou privadas possam receber transferências de recursos do governo federal. Sugiro começar punindo a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) que entre seus membros diretores alguns respondem processos por grilagem de terra pública. Não é possível. Sabe porquê? A lei só atinge as disputas fundiárias da reforma agrária. Se for um grileiro não é atingido pela norma. É ou não um instrumento de opressão social?
A norma de forma inconstitucional retroage no tempo, conforme aponta parágrafo 3º, do artigo 7ºA, para punir pessoas que já ocuparam áreas improdutivas antes da vigência do normativo legal. Uma das primeiras ações do STF será conceder liminar suspendendo os efeitos desse esbulho processual. Vimos o PL 490/2007, desconstruir direitos indígenas, atacando frontalmente o movimento indígena, agora vemos ataques concretos aos sem-terra. Os próximos serão os sem-teto que serão sancionados por meio de leis. É possível aceitar que esse parlamento continue a atuar dessa forma, sem uma pressão concreta da classe trabalhadora e dos partidos que se intitulam progressistas e de esquerda?
Nosso Estado encontra-se em disputa permanente, a omissão de nossas lideranças sociais, sindicais e políticas, em nome de uma dita governabilidade, nos levará a retrocessos imensos no campo social, em questões fundamentais que conquistamos com muita luta, sangue e sofrimento do povo brasileiro. É fundamental que retomemos a luta de rua, acirrando o processo de disputa do Estado. Caso contrário, seremos a qualquer momento acordados com uma patrulha na porta de casa informando que foste preso ou serás expulso do país.
A responsabilidade pela identificação das pessoas a serem punidas pelo Estado brasileiro será da autoridade policial, o registro em um cadastro nacional de impedidos de gozarem de seus direitos, em virtude de lutar pela terra, será de responsabilidade do INCRA que manterá um sistema público dos sancionados pela aristocracia agrária brasileira, com apoio direto dos partidos União Brasil, PP, PSDB, Cidadania, PL, NOVO, Avante, MDB, PRD, PSD, Republicano e Solidariedade.
Já os parlamentares de Roraima apoiaram a proposta, Duda Ramos e Helena da Assatur do MDB, Albuquerque, Gabriel Mota e Stélio Dener do Republicano, Nicoletti e Diniz do União Brasil, Zé Aroldo do PSD votaram sim a suspensão do BPC a quem já ocupou uma terra. Demonstram os parlamentares seu total descompromisso com a luta do povo por terra. Se bem que todos foram eleitos com ajuda direta e indireta do agronegócio que toma conta das terras do Estado, promovendo o aumento de mortes por conflitos agrários. Para esses nem uma sanção, já para o povo, um projeto de lei que retira direitos constitucionais.
Cotas no Concurso
O PL 1958/2021 que mantém a política afirmativa de cotas no serviço público federal foi aprovado, 20 dias antes da perda da vigência da legislação aprovada em 2014. A nova proposição estabelece que as cotas destinam-se não apenas a população preta e parda, mas também a indígenas e quilombolas, além de ser ampliada de 20% para 30% do número de vagas dos concursos e seleções públicas. Apesar de ter sido aprovada por unanimidade na comissão de direitos humanos, no plenário do Senado, a oposição, ao governo federal, apresentou uma emenda substitutiva desvirtuando o teor do texto. Na realidade eles queriam retirar a menção a pretos, quilombolas e indígenas e adotar baixa renda. No entanto o movimento negro, indígena e quilombola querem uma efetiva reparação do Estado brasileiro, o estabelecimento de reservas mínimas de espaço a representações sociais desses grupos é importantíssimos para romper com a lógica da exclusão racial imposta nas gestões públicas brasileiras. Espero que a câmara dos deputados possa avaliar com rapidez, apesar da extrema direita ser mais forte por lá, onde o discurso das cotas sociais ganhará corpo para encobrir o viés racista de muitos parlamentares, principalmente daqueles que medem o peso de pessoas pretas em arrobas.
Concessão de Florestas Públicas
O BNDES realiza estudos para o serviço florestal nacional que poderá permitir a destinação da gestão de 25 milhões de hectares para o setor privado. A ideia central, segundo o diretor de planejamento e estruturação de projetos, Nelson Barbosa, a ideia central é permitir o manejo de madeira de forma sustentável e a comercialização de carbono. A proposta é apresentada como uma saída econômica para a região norte. Porém, a ideia consiste em parte na reprodução de modelos antigos de exploração econômica. Repassar a gestão de florestas à iniciativa privada é um equívoco enorme, pois nosso patrimônio florestal não pode transformar-se em lucro de alguns. A retomada desse tipo de política sob o atual governo é um retrocesso político, fruto efetivo da conciliação conduzida.
Proteção infanto-juvenil
A organização, Vida e Juventude, com sede em Brasília, publicou edital para contratação de profissionais desenvolverem atividades de proteção de crianças e adolescentes com risco de morte em Roraima. Serão contratados coordenadores geral, técnico e administrativo que terão a responsabilidade de conduzir ações do PPCAM. Roraima é um dos 10 Estados brasileiros que não possuem o programa implantado. O edital permitirá que uma equipe técnica, por prazo determinado, possa articular ações que promovam a estruturação dessas ações de proteção. A organização dessa rede de apoio é fundamental na defesa da vida de explorados e ameaçados de morte, Roraima como um dos Estados mais violentos do país necessita começar a olhar para nossas crianças e adolescentes que amanhecem sem vida por nossas ruas e vicinais.
Bom dia, com alegria.
Fábio Almeida
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