Poderia ser surpreendente a declaração de Bolsonaro, ontem, em uma rede social, mas reflete não apenas seu pensamento, consiste numa visão de mundo tosca de uma sociedade eivada a potencializar a destruição do outro. Lógico que não podemos generalizar, afirmando que todos os brasileiros e brasileiras reproduzem esse parâmetro de formatação social, mas boa parte dos interlocutores políticos possuem, em virtude de seu recorte de classe.
A lógica é consolidar um Estado para poucos, onde minorias representativas politicamente sejam esmagadas em seus direitos basilares, inclusive aqueles que se estabelecem no artigo 5º da Constituição. Sabemos bem que o papel central da burguesia é ampliar seus lucros, a partir da lógica da apropriação privada da produção social. No entanto, são aqueles que não sendo burgueses reproduzem conceitos que sustentam a massificação da reprodução do capital, a fim de que possam ser reconhecidos como tal, fazendo parte diretamente do processo de opressão e aniquilamento do outro.
Neste contexto que o ex-presidente da república afirmou ter sido um erro a demarcação da terra indígena Yanomami. A afirmação apenas reproduz o desejo, latente também no seio social roraimense, de ver milhões de hectares de terra destinados a apropriação privada de pessoas e empresas. Essa premissa fundamenta-se na forma como foi administrada a ocupação da Amazônia, com o slogan “Integrar para não Entregar” a ditadura militar loteou vastas parcelas de terra para organismos internacionais, fossem eles empresas ou fundos de investimentos. Ou seja, a lógica discursiva era uma, a prática foi entregar o território aos interesses da burguesia nacional e internacional que promovem desde a década de 1970 um processo contínuo de expansão da fronteira agrícola e mineral.
Os povos que aqui residiam, fossem eles antropologicamente ou não, herdeiros de uma cultura milenar foram vilipendiados em seus direitos. Os impactos humanos com a abertura de nossas veias de transporte representam bem isso – digam os Waimiri-Atroari ou mesmo os Yanomami da região do Catrimani e Ajarani – mas, o modelo de destruição, em continuação nos dias atuais foram forjados durante o II PND, basta vocês lerem os anexos do Poloamazônia e Polororaima, nestes contextos os povos indígenas que tiveram no refúgio da floresta Amazônica – e como diz Eliakin Rufino protegidos pelo mosquito da malária – uma saída viram a partir de 1975 sua vida se transformar em um inferno de Dante.
O “progresso” justificou todos os atos de passado, como também justifica os atos de hoje, a exemplo do que vivemos em Roraima com a política de concentração fundiária nas mãos de poucas pessoas e com nossas áreas de assentamento de pequenos agricultores, se transformando em desertos verdes para produção de commodities para exportação. Aqui é onde vivemos o resultado de recortes de classe que sustentam a fala do golpista, terra para poucos endinheirados, ao povo a fome e o desemprego.
As mazelas sociais oriundas dessa necropolítica possuem como encaminhamento de soluções cada vez mais o encarceramento em massa e as mortes, pois numa sociedade que possui mais de 40 mil assassinatos, por ano, existe claramente uma política de extermínio de classe em prática, afirmo isso, sem medo de errar, pois são os filhos da classe trabalhadora que compõem 95% das vidas ceifadas ou trancafiadas em masmorras da modernidade. Assim, sustenta-se uma sociedade que elege representantes capazes de negar a importância de termos, ainda em nossos dias, povos milenares que devem sim ter seu direito a terra e a continuidade de sua reprodução cultural. Neste contexto, não há espaços de convivência com a lógica de acumulação do capital da burguesia, pois os resultados são trágicos. Os Yanomami vivem isso na prática com o garimpo e a grilagem de terras.
Eram 9 mil Yanomami em 1992 quando o território foi homologado, o número é reflexo direto do morticínio provocado pelo garimpo a partir do final da década de 1970, lógico que a ausência de políticas de cuidado e proteção potencializaram as mortes. Algo que vivenciamos com o retorno do garimpo, induzido indiretamente pelo governo brasileiro, na época da gestão de Bolsonaro e diretamente pelo governo roraimense e seu grupo agrário-político-empresarial que sequestraram o Estado para atender seus interesses. Os dados atuais que somam quase 32 mil Yanomami em pouco mais de 30 anos demonstra que a definição da TI, não foi um crime, como afirma Bolsonaro, nem foi um erro, como afirmam políticos locais. Foi uma decisão acertada do Estado brasileiro na proteção de um povo que com seu território inverteu a linha de decrescimento populacional, para resistir aos ataques do capitalismo.
Uma das principais retóricas consistem no tocante a propriedade das terras, cuja insígnia de “muita terra para pouco Índio” busca um apelo coletivo, ao estabelecer que a demarcação retira terra do povo em geral. Isso é uma mentira. Basta vermos o atual processo de regularização fundiária de Roraima, onde não há destinação de grandes parcelas de terra ao povo, pelo contrário, sob a premissa de concessão de uso com promessa de aquisição futuramente, o governo de Denarium distribui terras para o que de mais reacionário existe na produção do agronegócio brasileiro, inclusive anda se vangloriando da aquisição de terras em áreas de assentamento, algo vedado por Lei.
A terra sempre foi um processo concreto de disputa em nosso país, basta lembrarmos que a ocupação violenta da coroa portuguesa nas terras de Pindorama foi marcada pela posse privada das terras, com as ditas capitanias hereditárias, não importava quem se encontrasse por ali, as terras tinham dono. Essa lógica contínua a ser inerente a ocupação do território, sendo a demarcação de terras indígenas e quilombolas o único contraponto social aos interesses da burguesia.
Neste contexto a retórica chacelada é que 9,5 milhões de hectares para 9.000 indígenas é muito. Quando fracionamos essa parcela pela lógica da propriedade privada, defendida por eles, teríamos 1.055 hectares por indígenas. No entanto, os cálculos devem ser outro, pois a principal função da terra é garantir a promoção do direito à vida dos povos. Segundo o censo da Sesai temos hoje 31.223 indígenas vivendo na terra homologada, portanto a lógica de distribuição de hectares por pessoa não aumentou, diminuiu, sendo essa relação de 304 hectares. Lembro que o reconhecimento de propriedade de terra sem ônus para pessoa em Roraima é de até 4 módulos fiscais, ou seja, 400 hectares. Portanto, não há que se falar em concentração de terra em demarcações de terras indígenas, mas sim, em sua socialização.
Quando olhamos a posse privada tradicional vemos que o Brasil possui ampla desigualdade no tocante a distribuição da terra, o índice de GINI do país é de 0,73 – quanto mais próximo de 1 a política analisada é mais desigual. Essa desigualdade amplia-se nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além da região conhecida como MATOPIBA, onde se organiza grande parcela da produção de commodities do país. No Brasil, hoje 15 mil imóveis rurais ocupam 25% das terras agrícolas, representando em hectares 56 milhões. Ou seja, não podemos identificar como um crime a demarcação do território, criminoso seria permitir que essa lógica de concentração de terra adentrasse no que hoje é a TI Yanomami, dizimando os povos que por lá resistem junto com Omama. Se isso tivesse ocorrido a o céu teria caído, como afirma David Kopenawa, não rstando mais Yanomamis para nos ensinar sua relação com o bem viver.
Eleições BV
A crise no partido de direita União Brasil, sucedâneo da antiga Arena da ditadura militar deverá criar traumas e crises de longo prazo na unidade de política deste campo que sempre governou Roraima, mas que conseguiu consolidar uma aliança agrária/empresarial que parece ter muita lenha para queimar na garantia de suas benesses, enquanto nosso povo fica em filas quilométricas para receber um peixe que não consegue comprar com os esforços de seu trabalho. A candidatura de Catarina Guerra, apesar de demonstrar uma unidade política da direita, se transformará em um palanque de agressões pessoais e disputas judiciais. Teoricamente a Deputada mesmo saindo do mandato não deixaria a vaga, pois não teve o direito de ter seu nome avaliado pelo partido, os limites legais para sua candidatura a levariam a deixar a agremiação e disputar na justiça o direito a continuar com o mandato, isso tudo devido o extremista de direita Nicoletti querer ampliar sua capilaridade eleitoral e ser o nome e a voz de Bolsonaro em Roraima.
Os bastidores dessa disputa possuem componentes financeiros, os quais estão diretamente relacionados aos negócios do marido de Catarina que serão devassados e expostos à sociedade roraimense, cujo contratos são milionários. Bem como, as relações de Nicoletti com suas indicações políticas na gestão de Denarium, além de sua relação com aplicabilidade de emendas passarão a ser expostas. Na prática a tendência é que até o dia 06 de abril ocorra uma verdadeira debandada do União Brasil, apesar dos vultuosos recursos financeiros que o partido possui para campanha eleitoral. É tanta grana que em 2022 direcionou milhares de reais a campanha de Hiran Gonçalves, em torno do apoio do PP a sua candidatura à Prefeitura de Boa Vista, acordo esse não cumprido.
Acordos escondidos
Além desses fatos temos outras questões não publicitadas que circundam a candidatura de Catarina. A cassação do Governador é considerada um fato quase que concreto, portanto podemos ter eleições conjuntas, neste contexto, Denarium luta juridicamente para continuar com seus direitos políticos, após a cassação. Essa conjuntura imporia uma reconfiguração da política local que poderia ampliar o racha. Segundo algumas fontes no governo foi definida uma configuração que fez o senadozinho Mecias de Jesus recuar em seu mal-estar com a candidatura de Catarina. Foi garantido que Damião, atual vice-governador que possui seus direitos políticos preservados nas ações de cassação possa ser o vice de Catarina ao palácio 9 de julho. Sampaio que assumiria o governo temporariamente seria candidato ao tendo como vice Darbilene, esposa de Mecias. Já a presidência da Ca$a Legi$lativa iria para outro pupilo do senador do Republicano, o Deputado Estadual Marcos Jorge. Caso Denarium consiga a façanha de não ser cassado, a indicação do vice, na chapa de Catarina, caberia a Mecias. A questão e se as outras forças políticas irão aceitar, especialmente a aliança agrária/empresarial que perderia novamente protagonismos para políticos de carreira. Vejamos.
Briga na Cadeia
O sistema prisional passa por um processo de disputa entre a gestão e a classe trabalhadora, especificamente os policiais penais, os quais possuem um representante da categoria no parlamento estadual que é base de Denarium. O contexto apresenta denúncias de assédio moral e perseguições, tortura contra apenados e corrupção. Neste contexto, circulou um vídeo, ontem, que fala das dificuldades de mulheres se adaptarem aos serviços, demonstrando claramente a misoginia que integra o primeiro escalão da gestão de Denarium. Lembro que durante vários meses mulheres aprovadas no concurso da PM lutaram pelo seu direito de exercer a função, pois uma lei estadual permitia que homens com uma pontuação menor no concurso pudessem ascender ao cargo, em detrimento delas, pois existia uma cota mínima de vagas. Ainda bem que o STF interveio nesse caso. Já em relação a subjugação de mulheres, tidas como inaptas ao exercício da função pública de policial penal, restam apenas a comprovação do assédio com o vídeo que circulou nas redes sociais.
Tristeza em família
O senador de extrema-direita Cleitinho Azevedo perdeu seu pai. Isso, não seria notícia aqui na coluna, se a tristeza em família envolvesse Eduardo Azevedo Deputado Estadual em Minas Gerais e Gleidison Azevedo, Prefeito de Divinopólis (MG), ambos irmãos do Senador. Isso demonstra como a política brasileira transforma-se em uma descendência familiar, constituindo oligarquias que se apropriam do Estado. Um estudo publicado em 2017 demonstra que 319 deputados federais e 59 senadores possuíam vínculos diretos com familiares que haviam exercidos funções de agentes públicos por meio de mandatos eletivos. Isso, apesar de assombroso reflete o sistema eleitoral brasileiros que elege pessoas, não partidos.
O voto na pessoa permite que essas famílias se consolidem como referências políticas, consolidando-se como representantes do povo, porém, muitas vezes os discursos de campanhas são diametralmente opostos aos programas partidários, constituindo-se em verdadeiros estelionatos eleitorais. Veja o caso de Nicoletti (União Brasil) eleito em 2018 no esteio das manifestações da reforma da previdência de Temer, juntamente com partidos de esquerda e movimentos sociais de Roraima, incluindo o MST. Ao chegar ao congresso foi um árduo defensor da reforma da previdência de Bolsonaro, muito pior que a apresentada por Temer. Para vencer essas oligarquias é necessário que o país adote o voto em lista fechada, votando no partido e sua linha programática, restando a disputa interna para o âmbito partidário. Inicialmente, teremos a continuidade das mesmas pessoas, mas no curto espaço de tempo veremos transformações significativas em nossas representações. Minhas condolências à família Azevedo de Minas Gerais.
Inércia da Esquerda
Em Roraima, vemos uma paralisia geral das lideranças partidárias de esquerda que sustentam o governo Lula, aqui é importante separar o PDT e o PSB, partidos hoje dirigidos por frações da direita que tomaram o controle destes partidos políticos. No entanto, a federação do PSOL/REDE e PT/PV/PCdoB parecem deitadas em berço esplêndido não consolidando movimentação política alguma em torno da disputa eleitoral.
Compreendo que a realidade conjuntural não é propícia, porém, a inação contribui cada vez mais para que esses representantes da socialdemocracia não consigam se consolidar como uma referência eleitoral à classe trabalhadora, em virtude da ausência de projetos de Estado. É necessário que os partidos consigam dialogar minimamente para que viabilizem atuações conjuntas em pontos consensuais, mesmo que a tática eleitoral leve suas direções para caminhos distintos, algo que não percebo nas eleições de 2024, especialmente na capital.
Acredito que ambas federações deverão integrar a coligação de apoio ao MDB, uma unidade política permitiria força para apresentar uma candidatura própria, sendo uma voz representativa a diversos segmentos sociais e da classe trabalhadora. É fundamental que os cerca de 36 mil votos tidos por Lula em Boa Vista pudessem ser referenciados a uma candidatura que superasse a continuidade do governo do MDB, abrindo novos caminhos a socialdemocracia em Roraima.
Quinta cultural Indígena
Ontem, no espaço cultural Paricá, localizado no bairro aeroporto teve início um projeto de valorização da produção artísticas dos indígenas de Roraima. O evento que será realizado toda semana, as quintas-feiras, reunirá várias formas de manifestação cultural dos povos originários. No evento a comida típica é a Damurida prato tradicional da cultura indígena roraimense, muito delicioso. No espaço também funcionará das 9h às 20h uma galeria permanente com as obras desses artivistas, sejam elas telas, artesanato, escultura ou outras formas de manifestação visual. Em breve o espaço também irá lançar as sextas-feiras da sétima arte com a exposição de filmes e documentário que não circulam na indústria cultural cinematográfica roraimense. Parabenizo a todos e todas as idealizadoras da proposição, especialmente por ser uma iniciativa que não possui investimento nem do setor público, nem privado. Isso, por que os organizadores são contra, mas sim, em virtude das dificuldades enfrentadas no financiamento da cultura em Roraima.
Onde tá o dinheiro?
Fazedores de cultura roraimense não conseguem compreender as dificuldades do governo do Estado que possui milhões de reais descentralizados, pelo governo federal, e não é publicado o edital de chamamento aos projetos do setor. A Lei Paulo Gustavo possui um papel fundamental para os fazedores de cultura, os quais são promotores na geração de empregos diretos e indiretos em uma vasta cadeia de serviços existente nas cidades. É lamentável que o governo, ao invés de liberar os recursos deixe-o rendendo, desconstruindo desta forma a possibilidade de valorização das vozes roraimenses que pensam e fazem cultura. A prefeitura municipal publicou seu edital de chamamento e selecionou as propostas, no entanto, a liberação dos recursos ainda é um conto de fadas, mesmo com os contratos assinados.
Bom dia com alegria.
Fábio Almeida
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