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29/11/2023

Foto do escritor: Fabio AlmeidaFabio Almeida

No ano de 2018, o governo de Roraima publicou o decreto 24.851-E regulamentando a militarização de 18 estabelecimentos de ensino, a justificativa consiste na violência dentro e fora das escolas. Em 23/11/2023, o governador cassado realizou alterações no marco legal, uma delas é estabelecer a hierarquia como fundamento regulador da vida docente e discente.


O primeiro decreto 35.057-E, 23/11/2023, introduz o termo cidadania na perspectiva de funcionamento dos colégios militarizados, a tentativa de romantizar um processo de opressão expresso claramente no artigo 4º ao determina que o regime disciplinar será baseado na hierarquia e disciplina militar, ou seja um regime de ordem e sim senhor. A atuação cidadã prevê a capacidade de organização da sociedade e o direito à livre manifestação e contestação, ao adotar a hierarquia militar como forma de organização administrativa, esse princípio é desconstruído e reformulado a partir da lógica que o cumrimento das ordens é a plenitude do exercício da cidadania.


Termos exaltados na ditadura militar como civismo e patriotismo aparecem inúmeras vezes, sendo abduzidos sob a lógica dos princípios militares que possuem sua formulação baseada nas orientações estabelecidas pela escola superior de guerra, ainda em meados da década de 1950. Nesta lógica cívica o combate ao inimigo interno é o norte central, por isso qualquer processo de organização social, como grêmios estudantis são desestimulados. Enfim, o patriotismo e o civismo não coadunam com a organização social de nossos jovens.


Ainda neste decreto, o governador, revogou o artigo 8º do decreto de 2018, o normativo regulamentava a obrigatoriedade da existência de um comitê técnico interinstitucional (CIT) composto por representantes da SEED, PMRR e CBMRR que possuía caráter consultivo para avaliar questões administrativas, financeiras e pedagógicas, as quais cada vez mais estão sendo centralizadas sob responsabilidades de militares, os quais muitas vezes não possuem formação alguma na área da educação.


O mesmo diário oficial possui outro decreto que versa sobre o tema, demonstrando o nível de desorganização da gestão pública em Roraima. O decreto 35.058-E reproduz os textos do decreto anterior, no entanto, retira a coordenação destes estabelecimentos de ensino da coordenação de educação básica, transferindo-as para coordenação de colégios militarizados de Estaduais, criada por meio do decreto 31.822-E/2022. Essa perspectiva organizativa no acompanhamento, coordenação e mobilização dos estabelecimentos de ensino criam problemas pedagógicos ao desenvolvimento de uma política de educação estadual, principalmente devido esses estabelecimentos militarizados não integrarem nem o plano decenal de educação, muito menos o estadual.


Uma inovação apresentada por Denarium, o Cassado, é a normatização da gestão compartilhada, a ser exercida ela SEED e PMRR ou CBMRR, onde a secretaria de educação e desporto assume a gestão pedagógica e os militares a gestão administrativa, o novo texto determina que não haverá hierarquia entre esses gestores. Engraçado é uma estrutura que se predispõe hierárquica para o corpo docente e discente, ter duas vozes de comando nos estabelecimentos de ensino, os conflitos serão maiores.


Este novo documento legal estabelece em seu artigo 7º que o projeto político pedagógico deverá incluir os princípios da educação básica militar, transformando a lógica de escolas militarizadas, passando a caracterizá-las como colégios militares, negando desta forma os princípios basilares de uma formação democrática, plural e emancipadora no âmbito de nossas escolas. Qual o conteúdo a ser repassado nesta disciplina? Os docentes de Roraima devem dar um basta nesta situação, não é aceitável que a cada ano nossos estabelecimentos de ensino transformem-se em quartéis de formação de cadetes.


Esse regramento todo impõe custos adicionais à nossa educação que chegam a casa dos milhões de reais, pois a mantenedora dessas escolas militarizadas continua a ser a SEED. A Lei 1.225/2018 criou o corpo especial de militares ativos e inativos para atuarem em situações específicas nas atividades de direção, comando, subcomando, apoio administrativo e monitoria na rede estadual de educação que adotar a doutrina militar. Esse desvio de função impõe um acréscimo de 12% a 21% no soldo dos militares designados para exercer esse tipo de função.


Esse programa garante uma base eleitoral a parlamentares responsáveis pela indicação dos militares a se afastarem das ruas, aumentando suas remunerações. Além disso, temos um parlamentar que se intitula promotor da estratégia de formação ideológica - com viésconservador, reacionário e liberal - de nossos jovens que participa de reuniões de pais para tentar ampliar seus votos, algo ridículo, um afronto às normas constitucionais.


No campo pedagógico temos uma questão central identificada como melhoria do respeito nos estabelecimentos de ensino, mas que na realidade consiste no estabelecimento de uma cultura do medo. Esse processo de formação de nossos futuros cidadãos e cidadãs, sob a ótica do medo, do respeito à hierarquia e da padronização de vida criará uma sociedade afeita a querer impor ao coletivo social sua percepção de mundo.

Por exemplo, o homossexualismo é uma prática social repudiada pela doutrina militar, portanto teremos em Roraima cada vez mais uma sociedade que induzirá a criminalização dessas frações da nossa sociedade. O uso de cabelo longo é identificado com o uso de drogas nas academias de polícia, frases como “quem usa cabelo longo é maconheiro, é bandido” são proferidas por monitores. Como esses jovens de hoje estarão a gerir nosso Roraima daqui a 25 anos? Teremos adultos que respeitarão a cidadania e as liberdades, ou tentarão construir uma sociedade una, a partir das repulsas e da hierarquia militar.


A escola deve ser solidificada como um ambiente plural, de múltiplas experiências de cidadania, a coisificação de nossos jovens sob a batuta da doutrina militar ampliará uma sociedade machista e a violência como prática da solução de problemas. Essa é a realidade que vivenciamos no dia-a-dia com a maioria de nossos militares que por exercerem uma função repressiva do Estado, acreditam que sua vida social pode ser referenciada nestes mesmos padrões. É isso que queremos como sociedade?


A questão da disciplina como justificativa da adoção da militarização de estabelecimentos de ensino demonstra apenas nossa falência social. As vezes me pergunto como uma sociedade, onde 82% se denomina cristã e define o amor ao próximo como um dos mandamentos, formata uma sociedade tão violenta? Alguns fatores precisam ser observados neste processo, pois a grave crise social vivida em nossas escolas, consiste numa conjunção de fatores que vão muito além da retórica da violência propagada pelo governo.


O abandono de nossos estabelecimentos de ensino é uma realidade objetiva, nas últimas 3 décadas. Os investimentos ao invés de garantirem escolas com infraestrutura adequada, laboratórios, bibliotecas, quadras de esporte, salas de arte, salas temáticas, passaram a irrigar esquemas de corrupção que drenam os recursos para atender os interesses privados de alguns políticos, empresários ou gestores. Utilizar a polícia e sua cultura de opressão é mais fácil para conter levantes dos discentes, do que enfrentar as máfias organizadas dentro de nossa gestão educacional. Nossa principal violência cometida dentro de nossas escolas é a corrupção, algo efetivamente não enfrentado pela sociedade, professores e alunos que veem na cultura do medo e da opressão uma saída temporária para a crise.


Se temos drogas dentro das escolas o problema não se encontra lá, mas fora delas. Qual a capacidade operacional de militares incapazes de conter a circulação de entorpecentes fora dos estabelecimentos de ensino terão para conter seu consumo? Aqui é fundamental repudiar a política antidrogas do Brasil que se demonstrou inócua, vemos sim o crescimento de organizações criminosas que seduzem jovens aos seus intentos criminosos. O país precisa revisar esse normativo legal.


Se nossos profissionais de segurança são incompetentes para coibir as organizações criminosas, não é sua presença na escola que mudará esse quadro, isso é claro, não vê quem não quer. Se as agressões entre o corpo discente e destes com o corpo docente é uma realidade nas escolas, apresentamos neste microcosmo social uma realidade das ruas e de nossas casas, essa é outra realidade a ser enfrentada, precisamos fortalecer uma cultura de paz, não uma política de medo.


Outra questão fundamental a ser enfrentada consiste na precariedade de nossos programas de formação de professores. Cada vez mais a didática é um tema esquecido nos processos formativos, principalmente por grande parte de nossos docentes possuírem políticas de formação EAD. A sala de aula não consiste apenas na capacidade de trabalhar conteúdos, mas também de gerenciar processos sociais e psicológicos que interpõe seus tentáculos nestes espaços de relações, portanto querer enfrentar nossos dilemas por meio da adoção de profissionais sem formação na área cria uma bomba relógio que explodirá a qualquer momento.


A disciplina no ambiente escolar é outra premissa dos defensores da integração de militares nas escolas. Esse é um processo que se estabelece por pactuação entre as pessoas que convivem nos estabelecimentos de ensino. Nossas escolas até bem pouco tempo atrás não tinham nem plano político pedagógico (PPP), imagina regimento interno, com normas a serem exercidas no convívio humano.


Disciplina é um termo opressor das essências de nossos jovens, precisamos em nossas escolas de regras de convivência entre os atores sociais que nela promovem uma das mais belas essências da vida, a produção de conhecimento. No entanto, esse regramento deve ser de conhecimento de todos, professores, discentes e responsáveis. Onde um cabelo colorido ou um cabelo grande inibe o processo de conhecimento? Agora fardamento, instâncias de soluções de conflitos, respeito ao próximo, apoio pedagógico, assistencial e a democratização das escolas são processos necessários.


Ao falar em democratização é necessário identificar que os estabelecimentos de ensino em Roraima, há décadas, transformaram-se em ambientes de indicação política, especialmente de Deputados Estaduais e Vereadores. Errado! Deveríamos ter diretores escolhidos pela comunidade escolar, com mandatos e sem reeleição, inclusive com responsáveis por discentes que possuem formação de licenciatura ou pedagogia podendo disputar o cargo. Adotando-se um plano de trabalho a ser monitorado pelo conselho de pais, discentes e mestres. Não é o diretor militar que irá resolver o problema da indicação política, pelo contrário, chamará seu deputado para participar das reuniões escolares, ampliando feudos e votos, não é à toa que ele recebe 21% a mais de salário devido a assunçãoao cargo de diretor.


Outro ponto repugnante que ocorre nas escolas militarizadas de Roraima é o expurgo de jovens que se levantam contra a opressão dentro destes estabelecimentos de ensino. Qual Estado construirmos se demonstramos aos jovens que o erro de uns deve ser punido com sua eliminação? A fragilidade e a opressão imposta por essa premissa excludente e violentadora da existência, demonstra claramente o viés ideológico destes estabelecimentos de ensino.


Onde temos jovens teremos conflitos e autossuficiência, a lógica militar adotada é você não serve para estar entre nós. Acredito que daqui a uns tempos deveremos começar a defender a morte de uns, como fizeram as experiências fascistas pelo mundo, inclusive no Brasil, com os camisas verdes, hoje transportadas ao pálido amarelo da arrogância.


A militarização de nossas escolas é um projeto político de doutrinação de nossas crianças e jovens, fundamentando uma perceção de cidadania baseada na cultura da opressão e do medo, além do discurso único e do recebimento de ordens de uma casta superior, especialmente quando ela possui como poder de persuasão a ameaça da arma ou de pegar as pessoas nas ruas. Precisamos urgentemente reconfigurar esse processo de militarização de nossos estabelecimentos de ensino, caso contrário seremos nós que ficaremos aprisionados como sociedade na estranha percepção de um mundo igual, forjado em uma maioria intolerante e opressora.

 

Estradas esburacadas

Chegando o final do ano, o desgoverno do Denarium começa a efetuar movimentações financeiras que demonstram o completo descompromisso com a qualidade de vida de nosso povo, seja pelas prioridades estabelecidas ou pela ineficiência em consolidar políticas de cuidado. O decreto 35.067-E, de 23/11/2023, retirou recursos previstos para a manutenção de estradas vicinais do Cantá, no valor de R$3 milhões, para atender a gestão de plataformas tecnológicas do IATER. Muitas são as cobranças daquele município por trafegabilidade, por exemplo a vicinal 10 encontra-se há cerca de 10 anos sem recuperação alguma. E olha que o prefeito de lá é aliado de Denarium, o Cassado.


Outra movimentação que demonstra o completo descompromisso de Denarium surgiu no decreto que movimentou R$5 milhões da aquisição de aparelhos para atender as unidades de saúde do estado, destinando essa bolada para contratar serviços de gráficas e pessoas jurídicas. Essa é a marca deste desgoverno, não há falta de dinheiro, existe incompetência de gestão. Já na Codesaima os recursos saíram da folha de pagamento para pagar contratos de locação de veículos, pagamento de pessoas jurídicas e despesas patronais, no valor de R$2,5 milhões.


O IATER perdeu R$2,5 milhões da administração de recursos humanos para atender os interesses da FEMARH com fiscalização e monitoramento ambiental. Uma pena que serviços importantes sejam preteridos e que a administração de recursos humanos seja utilizada para inflar o orçamento, deixando esses recursos por exemplo de atender a um programa de crédito para pequenas indústrias distribuídas pelo Estado, ou mesmo, os indígenas que fabricam tijolos lá na comunidade das Placas, na TI Raposa Serra do Sol.

 

Luz para Todos

O governo federal retomou o programa de garantia de acesso a luz elétrica no país, política pública que ficou sem operacionalidade desde o golpe parlamentar imposto contra a ex-presidente Dilma. O programa de universalização de acesso à energia elétrica contará em 2024 com cerca de R$2,5 bilhões, o objetivo do governo é beneficiar 2 milhões de pessoas até 2026. A prioridade é levar energia às regiões mais remotas da Amazônia Legal, permitindo às famílias a melhoria de sua qualidade de vida, não apenas pela oportunidade de usar eletrodomésticos, mas melhorar seu processo produtivo e diminuir os gastos com combustível para os geradores, lógico para aqueles que podem usufruir desta tecnologia, fundamental em muitos rincões de Pindorama. Uma portaria publicada, em 23/11/2023, pelo ministério das minas e energia, investirá até 2025 recursos que atenderão 105 mil unidades consumidoras do Acre, Rondônia, Pará, Piauí e Roraima. Aqui, nas terras de Makunai’mî teremos um total de 10.279 famílias beneficiadas. Essas ações dos governos do PT já atenderam 17,2 milhões de pessoas em 20 anos de programa, a garantia da luz nas residências é colocar parcela dos brasileiros e brasileiras no século XX.

 

Yanomami: crise sem fim

A agência Pública idealizou uma série de podcast denominada Amazônia Sem Lei, cujo episódios são publicados todos as terças-feiras. Nesta edição de ontem o tema central é a continuidade dos dilemas vividos pelos povos da TI Yanomami, os quais passam por todos os tipos de violências e agressões ao modo de vida. O eixo central do programa é a análise dos graves problemas impostos pelo garimpo criminoso dentro da TI. Some aos graves problemas da exploração irregular de minérios, a entrada do crime organizado no território, a institucionalização indevida de crianças, as mortes por atropelamento nas áreas urbanas de nossas cidades, grilagem de terras na porção do Catrimani e Ajarani, rapto de adolescentes por fazendeiros e trabalho escravo em fazendas. Como já escrevi em outros momentos, a proteção dos povos da TI Yanomami deve ser um compromisso do povo brasileiro, envolvendo ações articuladas do governo federal, estadual e municipais. A preservação destes povos é a ratificação de nossa evolução como sociedade. Acompanhe aqui o excelente trabalho.


Bom dia com alegria.

 

Fábio Almeida

fabioalmeida.rr@gmail.com


 
 
 

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