Na última terça-feira tivemos votações no congresso nacional que estabelecem uma correlação de forças entre a social-democracia, a direita e a extrema-direita. Duas questões servem para mensurar esse processo, importante no contexto pré-eleitoral que se estabelece no país. O primeiro deles consiste em um veto de Bolsonaro a uma proposta do congresso nacional, votada em 2021, que estabeleceu como crime a divulgação de notícias sabidamente falsas contra candidatos e a democracia. A segunda consiste em um veto de Lula, a um projeto de Lei, do legislativo nacional, que determina o fim do programa de ressocialização de apenados que se encontram no regime semi-aberto.
Não me deterei no conteúdo das propostas em virtude dessas já terem sido objeto de análise nesta coluna. No entanto, é fundamental apontar que em ambos os casos quem perde é a sociedade que adere de forma ordeira a políticas que restringem o direito a viver com dignidade. Portanto, a manutenção do veto de Bolsonaro é um chamado a divulgação de mentiras, sob os auspícios da liberdade de expressão.
Na outra ponta, temos em média 95% das pessoas com direito a saídas do sistema prisional cumprindo com todas as normas estabelecidas, esses foram punidos por quem descumpri a Lei. Poderíamos com certeza apontar um caminho diferente ao extinguir o direito à progressão de pena de quem cometer crime durante o período de saídas temporárias. Não fizemos isso, apenas transformamos um problema em um problemão que poderá potencializar o surgimento de rebeliões em nossas casas de detenção de pessoas.
Aqui é importante falar da correlação de forças que se estabelece no congresso nacional. Na prática o governo federal de cunho social-democrata, eleito em 30/10/2022, não conseguiu formatar uma base de apoio no congresso, tendo a direita liberal e a extrema-direita reacionária conquistado a maioria das cadeiras. Por isso, fundamentalmente precisamos como sociedade transformar esse modelo político brasileiro, a fim de corrigir o processo da democracia burguesa que descamba para incapacidade administrativa, algo muito perigoso no contexto da defesa da vida e da inclusão.
Prevendo essa dificuldade e a força da extrema-direita - capitaneada por militares, evangélicos, empresários e vastos segmentos jovens - Lula utilizou sua liderança política para consolidar uma aliança envolvendo extratos da direita liberal que não comunga com os princípios autocráticos do na época Presidente Bolsonaro. Neste contexto de composição de bases de sustentação é possível que tenhamos grupos políticos que integram o governo, votando de forma distinta em virtude de seus princípios programáticos, fato esse que vivenciamos na última terça-feira.
Essa conjuntura política impõe ao governo a necessidade de avaliar quais os pontos efetivos aptos a negociação e quais os segmentos do congresso possíveis de manter posições estratégicas do governo federal. Isso é fundamental para se avaliar o que merece enfrentamento no congresso nacional e o que não merece, em virtude de legislações aprovadas. Sei que isso colocará na biografia de Lula a aprovação de alterações legislativas e constitucionais que afetam a vida prática do povo, mas é necessário compreender que o povo desejou esses representantes. Isso evitaria desgastes.
Superada essa primeira análise da conjuntura que exige nos leituras da realidade política representativa, a qual é muito diferente do ano de 2003 em virtude dos partidos políticos terem perdido força, ampliando a negociação individual, desde o estabelecimento do golpe parlamentar em 2016, ampliando-se com o desgoverno de Bolsonaro que abriu mão de gerir o Estado, transferindo o poder de execução orçamentária ao parlamento, por meio do orçamento secreto e das emendas PIX, além do desvirtuamento da essência partidária, para enaltecimento da relação individual entre o governo e os parlamentares, prática que amplia o descumprimento dos princípios constitucionais, entre eles a impessoalidade e a independência entre os poderes.
Mas, deslocar essas votações, da última terça-feira, do processo do debate eleitoral em torno da direção das casas legislativas é um erro enorme. Infelizmente a maioria dos articulistas e representantes partidários adotaram um olhar de análise em torno da derrota do governo. A primeira questão fundamental é como pode o governo ser derrotado em propostas que não foram apresentadas por ele? A posição da maioria dos partidos que compuseram a coligação de 2022 tiveram uma manifestação em torno da manutenção do veto presidencial no caso de Lula e da derrubada do veto imposto por Bolsonaro. Essa é uma posição política, dos partidos que se estabelece ante decisões do parlamento. Por isso, considero um erro essa leitura da conjuntura, descartando-se a real disputa que se estabelece.
O pano de fundo que deveria sustentar a avaliação das votações de terça-feira é a administração de R$52 bilhões em emendas parlamentares. Esse poder político de influenciar os caminhos do parlamento é que se encontra em disputa. Com minoria no parlamento a social-democracia, capitaneada pelo PT, tenta efetivar composições que possibilitem um maior grau de diálogo do governo sobre os seus interesses, especialmente de olho nas eleições de 2026, pois ter um parlamento no fronte de oposição com seu presidente não é algo desejado por nenhum candidato.
Desta forma, na prática as votações permitiram o governo avaliar quais os parlamentares que se aproximam de seu campo de organização do Estado, por isso a máquina efetivamente não trabalhou pela manutenção ou derrubada dos vetos, ao contrário do que ocorreu em outros temas importantes ao governo. Desta forma, possibilitou-se um olhar mais transparente sobre como se pode direcionar as composições para as eleições, especialmente da Câmara dos Deputados, já que no Senado Federal parece ser consenso o retorno do incapaz e temperamental Davi Alcolumbre (União Brasil) à presidência da casa alta.
Na câmara dos deputados o atual Presidente Artur Lira (Progressistas) possui como principal nome Elmar Nascimento (União Brasil), no entanto Marcos Pereira (Republicanos) com muita proximidade com o Presidente Lula e por fora temos Antônio Brito (PSD) e Isnaldo Bulhões (MDB) ambos líderes partidárias com amplo diálogo com Lula. Neste contexto, sem ação efetiva entrada do governo na disputa teve-se condições de comparar capacidade de articulação de voto, mesmo desconsiderando o atual dogmatismo assumido pelo PL que atualmente vota contrário inclusive em projetos de cunho liberal do governo, mas cerca de 30 parlamentares deste grupo devem acompanhar Lira que mais uma vez se demonstrou com força, fazendo vetos de interesse do governo ser mantido, já vetos de interesse da oposição terem como resultado seus interesses.
Desta forma, parece que as eleições circundam por meio do protagonismo de Lira na definição do novo presidente da Câmara dos Deputados, onde podemos observar que do PT ao PL devemos ter parlamentares seguindo esse caminho. Provavelmente a federação Psol/REDE possa apresentar uma candidatura, no entanto, como anda a carruagem do aristocrata alagoano cheia de brilho, podemos ter uma candidatura única na casa baixa, algo que seria uma grande demonstração de força política.
Se as eleições das mesas diretoras caminharem para candidaturas únicas podemos ter certeza que o fim do Presidencialismo como ferramenta governamental encontra-se com os dias contados. O sistema já se encontra muito fragilizado com a perda da força dos partidos políticos, o desgaste das eleições e a incapacidade do Estado resolver problemas crônicos vividos pelo nosso povo.
Mas, não havia unidade efetiva no parlamento para mudança de regime, cada vez mais a forma de semi-presidencialismo, onde apesar de manter algumas prerrogativas além da de chefe de Estado, os poderes administrativos passariam a ser de responsabilidade do parlamento que ante as composições partidárias poderia eleger o primeiro ministro, responsável por governar o país. Para se alcançar esse modelo de gestão do Estado é fundamental uma revolução no processo eleitoral, com a população deixando de votar em pessoas e passando a votar em partidos. Será que os decanos de nosso congresso que consolidaram uma rede hereditária na política a base de muita grana pública roubada querem essa mudança?
Grilagem
O governo sentiu-se acuado com os ataques proferidos pelo deputado estadual Jorge Everton (União Brasil) com o Cassado Antônio Denarium (PP). Para contrapor as acusações de grilagem de terras foi escalado, pelo governo, seu líder na Ca$a Legi$lativa, Chagas (PRTB). Segundo Chagas, o governo cumpre a legislação de terras do Estado, afirmando que existe um problema isolado de “grilagem”. Ou seja, o próprio líder do governo assumiu que existe a suspeita de um caso de grilagem, algo concreto que deve ser fundamento para abertura da CPI da Grilagem, pois se há suspeita, há envolvimento direto do órgão de terras estaduais, Iteraima.
Sendo aberta a CPI, os casos que são de desconhecimento do parlamentar, líder do governo, podem vir à luz, demonstrando como centenas de famílias de uma hora para outra veem suas propriedades serem sequestradas por interesses de pessoas que nunca viveram ou produziram nada naquelas áreas. A CPI das terras que era para ter sido instalada desde 2014, como pedia o atual senador Mecias de Jesus (Republicano), parece ter ficado madura para ser instaurada.
Para Denarium seria importante que a comissão desenvolvesse suas atividades enquanto ainda governo Roraima, pois ao ter seu mandato cassado poderá ter consequências mais sérias, inclusive com estorno de terras que foram regularizadas em seu nome ou de amigos, como ocorre com a cessão de largas parcelas de terras na região do Ereu, sob a égide do direito real de uso, instrumento da Lei de Terras que o governador pode conceder o direito de explorar a terceiro sem que este pague um tostão pelo uso do bem público, além disso ainda usufrua da isenção de impostos. No último repasse no Ereu, um sócio do governador recebeu uma parcela de terra sobre uma área que possui 3 pedidos de exploração de ouro na ANM. A CPI deve ser uma cobrança da sociedade roraimense.
A CLT no STF
Enquanto as redes sociais acusam ministros do STF de antidemocráticos ou democráticos, na sanha golpista imposta pela extrema-direita, temas fundamentais vão sendo discutidos e decididos, atingindo diretamente a classe trabalhadora. Nos últimos 2 anos a corte constitucional tem revisto decisões do TST em julgamento de relações de trabalho, algo que na opinião de especialistas em direito do trabalho é um escárnio, pois essa é uma exclusividade do tribunal superior do trabalho (TST).
A controvérsia consiste na interpretação do TST que a contratação de pessoas jurídicas individuais, para o desenvolvimento de atividades fins de forma contínua, consiste em burla a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tendo em vista que a draconiana e reacionária reforma realizada em 2017, pelo MDB, com apoio do PL e da maioria dos partidos que circundam ideais extremistas, regulou que a atividade fim pode ser realizada com base na CLT ou na terceirização. Não há regulamentação sobre essa questão na legislação, apesar de haver regulação da contratação de PJ, mas não para desenvolvimento de atividades contínuas e permanentes que caracterizam uma relação de trabalho.
Neste contexto, O STF, em sua maioria, exceção Flávio Dino e Edson Fachin, tem adotado uma posição de reconhecimento dessa legalidade, algo que transforma relações de trabalho, em relações comerciais, sem a garantia de direitos trabalhistas e previdenciários a quem sobrevive da venda de sua força de trabalho. A adoção desse modelo de contratação irá levar a quebra da previdência pública, tendo em vista que a contratação por meio de uma PJ, amplia o lucro do empresário ao deixar de recolher a cota parte patronal à previdência social. Hoje no Brasil temos mais pessoas trabalhando como PJ do que com carteira assinada, algo muito preocupante se temos uma previdência de caráter solidário.
Rússia
A guerra de anexação promovida pela Rússia contra a Ucrânia e sua adesão ao expansionismo bélico da Otan, cada vez mais assume contornos da reedição de conflitos existentes entre o século XIX e XX. Em todas as tentativas europeias de ocupação da Rússia, os primeiros foram perdedores. Neste conflito, protagonizado pela OTAN, organismo de guerra liderado pelos EUA, a Europa assume cada vez mais uma posição anti-Rússia, reduzindo as possibilidades de diálogo, expondo civis ucranianos a risco de vida. A mais nova decisão europeia é uma afronta ao direito internacional e uma agressão clara contra a Rússia, a comissão que administra a União Europeia proibiu 3 veículos de comunicação de circularem na rádio, TV e internet pelos países do bloco europeu. A justificativa é que os jornais russos não seguem a linha editorial europeia que é pró-Ucrânia. O cerceamento do direito à informação é algo muito grave que cresce neste mundo de cunho imperialista que estabeleceu o conflito entre ocidente e oriente como uma das fórmulas na potencialização das matizes bélicas dos estados nações. O governo russo afirmou que até 31/05 emitirá suas medidas de retaliação a Europa.
Bom dia, com alegria,
Fábio Almeida
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