Amanhã popularmente viveremos o dia da mentira. Porém, 59 anos atrás não enfrentamos uma mentira. Nos deparamos com a ruptura dos direitos individuais e coletivos imposta pelo golpe militar, apoiado por segmentos da aristocracia agrária, igrejas, intelectuais e imprensa. Por muitos acreditarem que implementar a reforma agrária, garantir reajuste do salário mínimo, taxação de envio de lucro ao exterior – propostas que integravam o conjunto de medidas das reformas de base do governo Jango – eram um plano comunista.
A ruptura institucional para implantação de um governo autoritário impôs uma cultura de ódio a todos aqueles que se opuseram a violência física, psicológica e política como estratégia de poder e contenção social. Não há o que se comemorar neste dia, como propõe uma parte dos militares que teimam em ler a ordem do dia enaltecendo o golpe, durante o governo do genocida – também chamado de gatuno nos dias de hoje – essa prática foi amplamente enaltecida.
A direita brasileira desde a consolidação do império sempre flertou com a violência como prática política. Assim, surgiu nossa República, com um golpe estruturado numa aliança forjada entre a elite agrária, militares e burgueses, consolidando a República da Espada, penalizando todos e todas que resistiam e buscavam a estruturação de um Estado que superasse as desigualdades sociais. Especialmente os pretos e pretas recém libertos foram os que mais sofreram, isso também ocorreu após o golpe de 1964.
Golpes integram a história de nossa república, sempre em torno de alianças da elite agrária e da burguesia nacional, com apoio direto das forças armadas. A história mais recente ocorre em 1964, quando os princípios das liberdades políticas foram sequestrados para atender os interesses da elite nacional na manutenção do seu poder político, ante a organização e força motriz que impulsionava a classe trabalhadora e o combate aos privilégios que ainda permeiam nossa organização socioeconômica.
O programa econômico da ditadura militar forjou-se em dois prismas centrais. O primeiro consistiu na abertura do mercado as grandes multinacionais, impondo o início da derrocada da incipiente indústria nacional. A segunda linha estabeleceu-se sobre a lógica do integrar para não entregar, nesta perspectiva comunidades indígenas e ribeirinhas dos locais mais isolados foram diretamente impactadas. Além, de parcelas da classe trabalhadora deslocada para diminuir a pressão por emprego nos grandes centros, serviram como bala de prata na abertura de áreas, principalmente na Amazônia, regiões essas tomadas por empresas e pessoas físicas posteriormente.
Aqui, surge o Polororaima, programa do governo federal lançado em meados da década de 1970 apresentando o então território federal de Roraima como um centro de exportação de minérios – vai ver que por isso o ex-presidente afirmava que se fosse rei de nosso Estado, seríamos uma Suíça. É justamente no final desta década que começam as pressões de garimpagem dentro da atual TI Yanomami. Até dezembro passado vivíamos um grave genocídio acobertado pelos governos federal e estadual, fruto da retomada da lógica do extrativismo mineral, mesmo inconstitucional foi dado a cabo a lógica de opressão sobre os povos originários.
Na recordação deste fato histórico, surpreende-me como cidadão, o crescimento da defesa de um novo golpe de Estado. Durante 4 anos tivemos um presidente democraticamente eleito que flertou todo dia 31 de março com a lógica golpista, promovendo no dia da independência atos que descaradamente pediam um golpe militar. Infelizmente as forças políticas democráticas, liberais e de esquerda deixaram o veneno do ódio espalhar-se sem que o congresso nacional ou o STF colocassem efetiva ordem nas elocuções que resplandeciam do Palácio do Planalto.
Por 2 meses, após a derrota eleitoral para coligação Brasil Esperança, o ex-presidente tentou de todas as formas articular junto as forças armadas a tomada do poder. Alguns comandantes e oficiais foram seduzidos pela lógica golpista, porém a grande maioria de nosso oficialato manteve a defesa constitucional, como a efetiva necessidade da sociedade brasileira, compreendendo que o papel das forças armadas consiste em proteger os interesses da nação, não ser a nação.
Frustrado o chamado das forças armadas foi mobilizada a base mais radical de sustentação do ex-presidente, culminando no 08/01/2023, representação concreta dos 4 anos de governo do golpista Bolsonaro e seus apoiadores, a destruição. A lógica opressora, violenta e devastadora do sentimento nacional conduziu pessoas ao vaticínio de que viveremos por muito tempo entre dois polos efetivos. Em um campo os construtores de uma autocracia que busca se apoderar do Estado para atender interesses de uma parcela de aliados, nesta quadra temos partidos que dão sustentação, o PL é o principal deles. No segundo campo, temos uma múltipla aliança de vários espectros ideológicos que determinam a defesa dos princípios da democracia representativa, como contraponto político.
Compreender essa quadra é fundamental à sociedade brasileira, especialmente para nós roraimenses, pois, mesmo com o poder econômico imposto e o sangue yanomami derramado produzimos um apoio imenso a uma candidatura que não possui empatia alguma com a classe trabalhadora, os pobres, indígenas e mulheres. Por isso, nestes 59 anos do último golpe militar é importante olharmos para o lado, vermos quem nos acompanha, para que atos como o de 2016 não voltem a deteriorar a já tão combalida democracia representativa brasileira que além de não enxergar a classe trabalhadora em seus atos, possui muitos representantes golpistas em parlamentos, bem como dispersos em representações do executivo estadual e municipal.
Eduardo Galeano em sua obra, as veias abertas da América Latina, escrutinou o horror político, econômico e social da imposição de ditaduras apoiadas pelos governos estadunidense. É fundamental que o retorno do “voldemort”, as terras de Pindorama, seja compreendido como uma rearticulação golpista de excrementos que se utilizam da política para projetar o derramamento de sangue do povo brasileiro.
NOVA ÂNCORA FISCAL
A proposta do Governo Lula consiste em um caminho melhor do que a adotada nos Governos de Temer e Bolsonaro, a conhecida EC 95 – chamada popularmente de teto de gastos. A lógica da atual proposta estabelece uma política de crescimento das despesas em escalas de investimentos, norteadas pelo crescimento da arrecadação. Ontem, não ficou claro se as despesas de educação, saúde, assistência social e segurança pública integrarão a lógica da nova regra fiscal ou estarão de fora. O que inicialmente é preocupante, neste contexto, consiste na continuidade da liberalidade do crescimento dos gastos com as despesas financeiras que cresceram muito entre 2017 e 2023. É fundamental que a proposta também coloque limites claros aos gastos com a especulação financeira no país, não podemos continuar a penalizar a classe trabalhadora que sustenta a nação com seus impostos, para que banqueiros e especuladores se deleitem em orgias financeiras asseguradas pela macroeconomia brasileira.
GÁS DE COZINHA!
Em dezembro de 2022, Bolsonaro privatizou a REMAN – refinaria da Petrobras no Amazonas – a empresa vendida abaixo do preço de mercado, segundo a FUP, impõe uma lógica de comercialização dos derivados de petróleo diferente da Petrobras, inicialmente busca ampliar o lucro de seus donos, essa é a lógica do capitalismo, principalmente quando detentor de monopólio, como é o caso. Porém, o preço do gás, a partir de amanhã, subirá devido ao aumento do ICMS proposto pelo Conselho Nacional de Secretários de Fazenda – CONSEFAZ. Aqui Denarium já havia corrigido o ICMS para vários produtos e serviços, a exemplo da energia de 17%, para 20%. Ou seja, nós pagamos o rombo imposto pela política de juros que garante lucros imensos a empresas como ATEM e FOGAS que comandam monopólios por aqui.
MAIS DINHEIRO PARA O HGR
O Governo federal garantiu repasses de R$ 180 mil para o HGR melhorar o atendimento das populações indígenas. Esse recurso consiste em um extra orçamentário, pois os indígenas já integram a política de financiamento da atenção secundária e terciária. Sua finalidade é proporcionar condições mais adequadas de estadia desta parcela de nosso povo, a exemplo do uso de redes, ao invés de camas, quando possível. Ocorre que o incentivo chega dias antes da abertura das propostas de privatização da gestão da unidade hospitalar prevista para o próximo dia 05/04/2023. Será que o Ministério da Saúde conhece a escabrosa proposta que em seu texto apenas diz que a OSS deverá atender os indígenas?
ACERTAM OS YANOMAMIS
Algumas associações representativas dos povos que residem na TI Yanomami manifestaram-se essa semana contra a presença de políticos em seus territórios, tendo em vista que os mesmos nos últimos anos impulsionaram o discurso em defesa da mineração em terras indígenas. O próprio presidente da comissão, Chico Rodrigues, chegou a gravar vídeo nas redes sociais, na TI Raposa Serra do Sol, defendendo o garimpo que existia lá pelas bandas do Napoleão. Portanto, acertam os indígenas, em suas terras, destinadas pela constituição, devem ser afastados não só os garimpeiros, mais todos aqueles que querem transformar o território Yanomami em um vasto buraco de exploração mineral, como propuseram os militares na década de 1970.
ENCONTROS NOTURNOS
Políticos e empresários de Roraima andam realizando encontros, regados a boa comida e bebida, para além de aproveitarem as benesses do Estado, seja em contratos ou políticas de incentivo, orquestram milícias de resistências as ações de reivindicação de territórios proporcionados por indígenas. Os processos de ampliação de territórios existem desde muito tempo, alguns foram formulados 30 anos atrás. Essa lógica organizativa dos fazendeiros retoma um processo de conflitos suspensos faz algum tempo. Não é admissível que a sociedade roraimense permita que ressurjam ações que exponha a risco de vida lideranças indígenas, tudo isso protagonizado muitas vezes por parlamentares e empresários subsidiados pelo Estado. As autoridades públicas precisam manifestar-se claramente contra esses atos que se orquestram e propositalmente se transformam em informações públicas, sendo convocados diretamente do plenário da casa legi$lativa de Roraima. A reivindicação por terra é um ato legítimo dos indígenas e dos sem-terra. Os órgãos responsáveis é que irão julgar a efetividade ou não do direito estabelecido no pedido, não podem ser milícias armadas a defender direitos muitas vezes inconstitucionais de grileiros de terra.
MISOGINIA
Ao retornar ao país para depor na PF sobre a apropriação indébita de patrimônio da nação, o ex-presidente da República, começa a destroçar seus aliados. Inicialmente descartou a possibilidade do Zema e Tarcísio, respectivamente governadores de Minas Gerais e São Paulo serem os nomes credenciados pelo seu grupo golpista a disputarem as eleições presidenciais em 2026. O pior foi sua fala contra a candidatura de sua esposa Michele Bolsonaro que já possui apoio entre alguns caciques do PL para enfrentar a batalha eleitoral, mesmo que ainda seja muito cedo para esse debate, e que as ações tomadas no governo Lula possam fortalecer a atual situação para 2026. Ele afirmou que sua esposa não tinha condições de disputar a presidência por ser frágil, não possuir vivência e ela não querer. Essa fala reproduz claramente o que pensa Bolsonaro sobre as mulheres, pensamento este já externado muitas vezes durante seu único mandato de Presidente de nosso querido Brasil.
Bom dia. Um forte abraço.
Fábio Almeida
Jornalista e Historiador.
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