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31/07/2023

Foto do escritor: Fabio AlmeidaFabio Almeida

Algumas questões pessoais impuseram um afastamento nestes últimos 40 dias. Um total de 15 publicações deixaram de ser realizadas, peço desde já desculpas por isso, mas não havia outro caminho. Retomo hoje as nossas publicações semanais, lembrando que todas as segundas, quartas e sextas temos um olhar sobre a conjuntura política local e nacional, além da análise de temas importantes as nossas vidas, mesmo que em muitos casos possamos chamar de sobrevida, tamanho o nível de concentração de renda e riqueza que privilegia alguns em detrimento de uma grande maioria de trabalhadores e trabalhadoras.


A retomada da potente TUCANDEIRA parabeniza o Conselho Nacional de Saúde (conheça neste endereço eletrônico um pouco mais) pela publicação da resolução 715/2023. O documento fomenta diretrizes debatidas por milhares de brasileiros e brasileiras em conferências de saúde municipais, estaduais e livres. O tema dos encontros que culminou com a realização da conferência nacional de saúde, realizada entre 2 e 5 de julho, foi: Amanhã será outro dia. No entanto, afirma como grande sabedoria o CNS, para construirmos um novo Amanhã, precisamos de novas Manhãs que superem a lógica ultraliberal de desmonte do maior Plano de Saúde Pública do mundo, nosso SUS.


A essência do SUS é a garantia da participação social, às vezes capengas como vemos em Roraima, onde o Conselho Estadual de Saúde é incapaz de aprovar uma resolução ante as fartas denúncias de desmandos, perseguição, privatizações ou mesmo descaso como o tratamento dado às nossas gestantes e crianças nos últimos 2 anos. Mas, a expressão da Democracia Participativa é vivenciada na saúde pública, por meio de seus conselhos de saúde municipais, distritais e locais, oportunizando a multiplicidade dos olhares e demandas voltadas aos avanços necessários à garantia da integralidade do cuidado, a universalidade do acesso e a equidade no tratamento.


Não há SUS fortalecido sem a garantia de financiamento, revisão das tabelas de procedimentos e ampliação de recursos à atenção primária. É fundamental que o poder público tenha previsibilidade no financiamento, levando em consideração nesta regra de transferência fatores geográficos, epidemiológicos e econômicos que permitam a devida equidade no tocante ao financiamento de ações e serviços de saúde. Agora, a garantia de recursos exige da sociedade e dos órgãos de controle uma dureza no combate às quadrilhas que se apoderaram dos recursos da saúde pública, seja por meio de desvios ou de políticas de terceirização da gestão e serviços, a preços assombrosos e piora da qualidade e do acesso.


A resolução aprovada pelo CNS acertadamente apresenta a assertiva “Não há economia sem vida, e não há vida sem garantia de saúde para toda a população como um direito humano”. O direito à saúde expresso na constituição precisa superar as filas impostas nas cidades, a exemplo do que a SESAU faz em Roraima. Não há vida onde impera a dor. Por isso, a derrota do projeto ultraliberal do governo anterior foi essencial à retomada do SUS, como política vital ao pleno desenvolvimento humano. Começamos pela retomada das campanhas de vacinação, anteriormente negada até por Ministros da Saúde - algo repugnante.


O documento preconiza um SUS plural, respeitador das necessidades impostas pelas políticas nacionais e suas especificidades regionais, voltadas a garantia de redes de cuidado que protegem, por meio de sistemas públicos de saúde a população negra, às mulheres, homens, LGBTIA+, à pessoa idosa, adolescentes, crianças, pessoas com deficiência, com patologias, doenças crônicas, doenças raras, comunidades e povos tradicionais e população em situação de rua. Um sistema de todos e todas. Uma política de Estado que em 1988 superou a lógica da exigência da carteira assinada para se ter acesso aos serviços de saúde. Quem não tinha carteira entrava na fila como indigente.


O SUS vai além da política de cuidado organizada. Possuímos uma ampla rede e capacidade industrial à produção de insumos que precisa ser efetivada e retomada, de forma democrática e integrada aos demais países da América do Sul, permitindo a geração de empregos, agregação de valor e fortalecimento da produção, tendo centralidade no desenvolvimento integrado de ciência e tecnologia.


O mundo multipolar exige que o Brasil lidere esse processo de integração produtiva sul americana, caso contrário continuaremos a ser exportadores de commodities, na lógica operativa da exploração do capital. A pandemia deixou claro nossas deficiências orgânicas fruto do neoliberalismo e da desindustrialização nacional. Agora, as soluções precisam ser organizadas de forma integrada e regionalizada com nossos vizinhos, onde todos nós trabalhadores ganhamos em todas as pontas, inclusive com a geração de empregos, tão escassos devido a automação e robotização.


Um dos avanços fundamentais da resolução consiste na identificação da violência de gênero como uma das determinantes sociais que potencializa o adoecimento de nossas mulheres. Portanto, fundamentalmente deve o SUS com suas políticas integrativas de educação em saúde e com o programa saúde na escola potencializar campanhas que combatam o racismo, machismo, misoginia, desigualdades remuneratórias, dentre outros determinantes sociais do adoecimento e da morte prematura de mulheres, a exemplo do feminicídio. Esses são avanços conceituais importantes, ante o período de trevas que vivemos do governo anterior que sob a égide do conservadorismo, impôs um discurso generalizado de desvalorização do femininimo.


Outro ponto fundamental é a defesa do fortalecimento das ações e serviços entre os sistemas SUS e SUAS. Protagonizando um olhar integral e intersetorial de assistência social básica, gestão pública direta, humanização do cuidado e acolhimento e escuta qualificada. O nível de complexidade e de inclusão potencializada nesta diretriz permite compreendermos quanto podemos consolidar políticas públicas em torno de um Estado que cuide, abandonando o Estado que oprime e exclui.


A crise do capitalismo, os embargos econômicos e as multifacetadas guerras entre nações ou organizações criminosas, conjuntura que somada a ampliação da concentração de renda e riqueza no mundo e na ampliação da exploração sobre a classe trabalhadora, proclama a ampliação da população de rua. A resolução corretamente abre os olhos - da inércia da prefeitura Municipal de Boa Vista que mesmo ante ao aumento da população de rua provocada pela imigração, o garimpo e ampliação da pobreza no Estado e na Cidade agropop - para fortalecimento da rede de atenção a essa população. Bolsonaro deixou uma herança no Brasil de 33 milhões de miseráveis que precisam de cuidado e um olhar integral do Estado brasileiro.


As conferências apontaram duas bandeiras fundamentais à luta política dos movimentos sociais e sindicatos no tocante à saúde pública. A primeira delas consiste em alcançar, a partir de 2027, um investimento per capita de R$ 1.000,00 nas ações e serviços públicos de saúde. Em 2013 investimos um per capita de R$597,00, com a Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos) e os cortes promovidos no financiamento da saúde, mesmo em 2020, com os recursos adicionais devido a pandemia, tivemos um per capita de R$573,00 (fonte CONASS). Ao passo que os recursos para financiamento da saúde reduziram, os destinados ao pagamento de banqueiros e especuladores financeiros aumentaram, por isso acerta o CNS ao propor o direcionamento do orçamento público para atender os interesses do povo em geral.


A segunda bandeira estabelece como meta garantir investimentos da ordem de 6% do PIB na saúde pública, somando os recursos dos 3 entes federados. Hoje nosso país investe apenas 3,8% (fonte CONASS) do PIB em ações e serviços de saúde pública. Ampliar esses investimentos é ampliar a política de cuidado e acesso da população aos serviços e saúde. Por isso, acerta novamente o CNS ao estabelecer um debate profícuo em torno da disputa do orçamento público, capturado por interesses corporativos, especialmente da banca, mas também, de grupos produtivos, a exemplo do agroshow das nuvens de veneno.


O reconhecimento das múltiplas formas de vida sempre foi uma essência do SUS. Enquanto a sociedade ainda debatia questões centrais a plena convivência humana, no SUS, já se protagonizava transformações, expressas por exemplo nos registros de feminicídio dentro dos estabelecimentos de saúde. Hoje, temos uma Lei que determina o crime e a punibilidade, mas foi no SUS que os dados foram revelados na prática, devido aos espaços de controle social. Por isso, acerta o conselho ao estabelecer a necessidade ao enfrentamento ao racismo, a intolerância religiosa, ao patriarcado, a LGBTIA+fobia, ao capacitismo, a aporofobia, a violência aos povos indígenas e todas as formas de violência e aniquilação do/a outro/a, como estratégia de defesa da vida e racionalidade de gastos dos serviços do SUS.


Por último, trago três questões polêmicas, mas acertadas no tocante ao debate público de temas apontados e apoiados nas conferências e que precisam ser encarados pela sociedade brasileira. Partindo do princípio central das liberdades de escolhas no âmbito privado das vidas. O conservadorismo neofacistóide irá delirar e incrementar suas posições políticas. No entanto, desde já apresento minha opinião de que esse governo de conciliação do Lula, com o liberalismo econômico e com o conservadorismo cristão não encaminhará nenhuma das três questões apresentadas abaixo.


Apesar do estado de Roraima não garantir a hormonioterapia, conforme prever a política nacional de saúde integral LGBTIA+, acerta o CNS ao ratificar a necessidade da adoção dessa política, como um direito dos usuários do SUS que queiram iniciar seu processo de transição de gênero. A política nacional estabelece a idade para adesão à transição aos 18 anos. O conselho federal de medicina orienta o início a partir de 16 anos. A conferência nacional de saúde aprovou uma orientação para que o início do tratamento ocorra a partir dos 14 anos de idade.


Esse processo de transição quanto mais cedo, mais efetivo será, pois inibe o desenvolvimento de hormônios do sexo biológico, melhorando os resultados no processo de ressignificação de gênero, amparada pelo SUS. A orientação não é uma determinação, nem uma obrigatoriedade. Porém, consiste no direito ao adolescente, com consentimento dos pais, em ter acesso ao serviço público de saúde se quiser. Não podemos por crenças religiosas querer vedar o acesso a políticas de saúde a ninguém. Acerta o CNS em promover esse debate e reconhecer o direito desta população.


Outro tema proposto ao debate público é a retomada do direito ao abortamento no SUS. O STF já julgou a constitucionalidade dos casos que fundamentam o aborto (vitimas de estupro, risco de morte ao feto ou a genitora e fetos anincefálos) como uma política pública. No entanto, restringir o direito da mulher poder decidir a continuidade ou não de uma gravidez é um erro e um fomento à clandestinidade e ao crime, ao decidir pela interrupção que possa, a mulher, contar com os serviços públicos.


Milhares de abortos mal sucedidos hoje no país, terminam nos estabelecimentos de saúde, onerando os cofres públicos e sequelando permanentemente milhares de mulheres. Trazer o tema como um ponto de diálogo permanente na sociedade é fundamental. É necessário que as mulheres sejam as agentes transformadoras nesse debate, não somos nós homens que devemos conduzir os diálogos, devemos apoiar os encaminhamentos tomados. No entanto, publicamente sempre externei minha posição favorável a interrupção da gravidez como um direito das mulheres.


Por último, a resolução do CNS promove um debate em torno da descriminalização das drogas, ao promover abertamente no documento a legalização da maconha, hoje amplamente utilizada para fins medicinais devido sua capacidade de melhora neurológica aos usuários do canabidiol e THC. Esse é um outro debate essencial em nossa sociedade. A formalização de estratégias para combater o crescimento econômico e político do crime organizado que lucra bilhões de dólares com as drogas precisam ser debatidas e a legalização pode ser uma saída. Mas, se o caminho será legalizar ou descriminalizar os usuários, a sociedade precisa responder. No entanto as paixões e os dogmas não podem ser os termos do debate, precisamos debater por meio da ciência e de dados objetivos a questão.

 

CRIME ORGANIZADO

A Amazônia tornou-se, nos últimos anos, um dos principais redutos da lógica operativa das organizações criminosas brasileiras. A fragilidade das fronteiras, dos monitoramentos de rodovias e aquavias, a facilidade na inserção no comércio e nas estruturas do poder público, além de uma pobreza generalizada que aumenta a capacidade de recrutamento de jovens foram pontos que fizeram com que as duas principais organizações criminosas do país passassem a atuar fortemente no território amazônico que com suas florestas e estradas precárias, onde existe, facilitam o processo operativo, principalmente na redução de custos de proteção.


Nosso Estado não se encontra ausente deste processo de ocupação, o qual se organiza especialmente pela adoção de uma política de medo e negociações com setores da segurança pública. O garimpo consistiu, ou consiste, ainda em uma das ferramentas de lucro, mas o carro chefe mesmo é o tráfico de drogas e armas. Além das organizações brasileiras, temos em atuação células de organizações criminosas venezuelanas e colombianas, transformando as terras de makuna’imî em uma perigosa rota do tráfico também de pessoas.


Na semana passada a PF, em parceria com forças policiais estaduais, realizaram a operação Colmeia, cujo objetivo central era prender traficantes e cumprir alguns mandados de busca e apreensão. Nesta segunda fase dos trabalhos o foco central é atingir as pernas operativas da organização criminosa, por meio da inutilização de pistas de pouso clandestinas distribuídas em fazendas nos municípios de Boa Vista, Cantá, Mucajaí, Santarém e Itaituba, utilizadas para o tráfico internacional.


É necessário que os investimentos em inteligência possam restabelecer a ordem na Amazônia, com essas quadrilhas sendo duramente atingidas por operações que permitam o combate efetivo às estruturas de funcionamento e financiamento da criminalidade. Neste contexto é fundamental o debate em torno da tese proposta pelo CNS sobre a legalização das drogas, essa premissa seria um duro golpe nestas organizações criminosas.

 

CORTES

A lógica operativa do exercício financeiro do orçamento público continua a impor cortes em áreas estratégicas ao desenvolvimento humano e a proteção de nossas crianças. A garfada não possui um condão tão grande quanto tinha no governo anterior, quando, somente em 2022, foram contingenciados cerca de R$ 16 bilhões da execução orçamentária. No atual governo os cortes chegam a 10% daquele valor de 2022, demonstrando uma melhor performance administrativa da área econômica. A questão a ser levantada consiste na mesma apresentada no governo anterior. É fundamental perguntar: por que numa sociedade que destina 48% de seu orçamento para pagamentos de juros e amortização da dívida pública, contingência-se recursos de áreas finalísticas do governo? É necessário que possamos mudar essa lógica protetiva dos ganhos de capital no orçamento público, priorizando contingenciamentos neste tipo de execução orçamentária, já que a prioridade do orçamento é remunerar banqueiros e especuladores financeiros.

 

VIOLÊNCIA

O CIMI divulgou na semana passada mais um relatório das violências orquestradas contra os povos indígenas em território nacional. Publicado com dados que remontam ao ano de 1994, o relatório busca interpretar a forma, denunciar os atos, mas principalmente buscar contrapor uma cultura de opressão e possibilitar olhares em torno da resistência destes povos e sua resiliência na busca do bem viver. O crescimento da atuação do crime organizado e a ampliação da fronteira agrícola protagonizaram o aumento de registros de agressões aos direitos humanos e ao direito à vida dos indígenas.


No ano de 2022, foram 5.302 registros distribuídos da seguinte forma: 867 casos de omissão ou morosidade na demarcação de terras indígenas; 158 conflitos territoriais resultados de invasões possessórias e extração ilegal de recursos naturais; 309 registros de danos ao patrimônio; 29 ações de abuso de poder; 27 de ameaças de morte; 60 ameaças variadas; 180 assassinatos; 17 homicídios culposos; 17 lesões corporais; 38 ações de rascismo; 28 tentativas de assassinato e 20 atos de violência sexual.


Na quarta-feira tratarei com mais detalhe deste relatório que coloca Roraima como um dos Estados mais violentos do país contra os povos indígenas, entre os anos de 2019 e 2022 registramos 208 homicídios de indígenas, sendo que 41 destes ocorridos em 2022.

 

FIM DO RECESSO

O parlamento brasileiro retoma suas atividades neste dia primeiro com a necessidade da aprovação das reformas liberais apresentadas pelo Governo Lula, na área econômica. Uma delas consiste na reforma tributária que além de simplificar os atos tributários em vigência no país, ratifica a regressividade da cobrança de impostos como uma continuidade na lógica de financiamento de privilégios a setores econômicos, ou melhor, ao setor empresarial.


No entanto, o mês de agosto será marcado pela ampliação definitiva da base do governo, a qual deve ser incrementada por políticos fisiologistas do PP, PL e Republicanos, os quais representam um olhar conservador e liberal sobre a organização do Estado brasileiro. Essas adesões ampliaram a lógica de disputa pelo governo, com as bandeiras da esquerda perdendo consideravelmente espaços para a conciliação de classes que resultará na aprovação de pautas nocivas ao povo, como a reforma administrativa anunciada pelo presidente da Câmara dos Deputados e mais novo aliado do governo.


A esquerda restará as ruas como palco da disputa política, pois no âmbito deste governo o caminho foi escolhido, andando os partidos de sua sustentação de braços dados com o pior da política brasileira. Um ponto a ser resolvido consiste no partido do PSOL que precisará tomar uma posição clara ante o nível de comprometimento do governo federal com pautas nocivas ao povo em nome da governabilidade.


O congresso do partido a ser realizado em outubro definirá os rumos, mas devemos ver desde o retorno aos trabalhos um afastamento do partido da sustentabilidade ao governo. Combater os conservadores e liberais é necessário, no entanto fazê-lo por meio de uma aliança com este campo é um erro, a lógica não pode ser derrubar Bolsonaro, mas sim, sua lógica de organização do Estado. A ampliação da aliança governamental traz concretamente o pensamento sustentador das práticas - repudiadas por nós nos 6 anos de governos anteriores - para dentro da linha de fomento de políticas públicas, esse é um erro tático imenso, a história nos cobrará por isso.


Bom dia com alegria

 

Fábio Almeida

Jornalista e Historiador


 
 
 

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