
A crise do modelo de acumulação de dinheiro, iniciada em 2008, ainda projeta seus tentáculos na estruturação social e financeira do mundo. O baque econômico da principal economia do mundo, os EUA, abriu caminhos sólidos e irreversíveis ao que se denominou multipolaridade. Ou seja, a consignação de um processo de gestão da solução de conflitos que permeie a voz de várias outras nações, especialmente as latino-americanas e africanas.
Essa mudança geopolítica que se externa de forma concreta com o BRICS e sua agenda de ampliação de sócios, demonstra que o centro do poder político baseado em um ocidente representado pela união europeia e EUA, encontra-se em transformação. O fator central consiste especialmente na descentralização do processo de acumulação. A lógica neoliberal de desconcentração da produção industrial para ampliar ganhos, possibilitou a organização de indústrias locais de suporte que permitiram uma reorganização do processo produtivo, rompendo a barreira das comodities minerais e alimentar.
Some-se a esse quadro geral o processo de ganhos no campo da formação, com uma grande redução no número de pessoas analfabetas nos últimos 40 anos, bem como, o avanço tecnológico que permite a formatação de processos locais de produção, sem a dependência direta das principais zonas de influência existentes até 1991, as quais demandavam matéria-prima para seus centros produtivos. Modelos organizados por meio da exportação de tecnologia e produção, transformam realidades locais, desconcentrando os processos de produção e permitindo remodelamentos locais. Aqui é importante apresentar duas formas complementares de ação estatal, oriundas do BRICS, a primeira delas a Nova Rota da Seda, idealizada pela China, que investe em infraestrutura energética e de transporte, ampliando a capacidade de circulação de mercadorias. A outra, consiste na exportação de tecnologia na produção de alimentos, capitaneada pelo Brasil, tendo especialmente olhares ao continente africano.
Locais com alta concentração de renda nas mãos de poucas pessoas, a exemplo da América Latina e África, passam por mudanças concretas nesse novo processo de reorganização geopolítica, Estados párias no processo de decisão, começam a surgir como agentes importantes no processo de articulação de interesses. Nesta lógica, o princípio da política Sul-Sul, formatada após o fim da segunda guerra mundial, possui amplo espaço nessa nova perspectiva geopolítica da multipolaridade, ou seja, um mundo com vários atores, com voz e poder de decisão.
Esse novo quadro geopolítico, promove verdadeiras microrrevoluções que abalam o poder imperial dos EUA. A ampliação de países que utilizam sistemas de pagamentos que não o dólar estadunidense, consolida um processo de autonomia nacional e descentralização da produção que impacta processos econômicos, políticos e sociais pelo mundo afora. Neste contexto, surgem novas estruturas financeiras que reformulam a lógica de investimentos, onde o cardápio disponível não se encontra na imposição de uma política de austeridade fiscal que amplia a pobreza, mas sim, na disseminação de processos produtivos e abertura de mercados. Tendo como princípio uma lógica complementar do processo de produção industrial. Isso, uma novidade que impõe reações do sistema que se esvai.
A reação da burguesia para manter seus privilégios e centralidade de poder na Europa e EUA consiste em aprofundar um viés extremista à direita, vimos isso após a crise de 1929, vemos isso ocorrer na atualidade em vários países que terminam elegendo representantes que possuem objetivos centrais de estabelecer um discurso único, retroagir em direitos e garantias sociais, ampliar o processo de concentração de renda com a desregulamentação do trabalho. Se necessário consolidar golpes que possibilitem a retomada de seu projeto de poder.
No entanto, esses governos são forjados por meio da concepção da crise e da criação de um inimigo em comum às “pessoas de bem” – é isso mesmo, apesar de quererem matar quem eles definem como comunistas, feministas LGBT, indígenas e negros, são pessoas de bem. Essa percepção de ser correto exercer o ódio e a violência como ferramenta política, se regozija em torno de uma ideia cristã conservadora e excludente. Pois, matar em nome de “Deus” os bárbaros e infiéis sempre foi justificável na história. Deus sempre está ao lado de quem ganha, na lógica cristã.
Essa premissa entre uma aliança da extrema-direita e a igreja cristã não é uma novidade de nossos tempos. A história demonstra que todas as vezes que a classe trabalhadora almejou controlar politicamente o Estado Nação, a aliança forjada entre burgos e o clero, após a queda da Bastilha, surge como um reencontro de possibilidades, já que a metafísica passa a glorificar em nome de Deus a luta em defesa dos privilégios e contra as vontades populares que se forjam na carestia, no desemprego, na fome, na rua da amargura imposta pelo modelo produtivo capitalista.
O fortalecimento de uma perspectiva multipolar e uma concepção mais democrática quanto a circulação de moeda e mercadoria – trazida pela China, Rússia, África do Sul, Brasil e Índia – potencializou um novo processo de reorganização dessa aliança reacionária que se expressa claramente ao olharmos os atos autoritários, racistas, xenofóbicos, misóginos e homofóbicos de mandatários como Trump e Milei. A exemplo desses dois escroques que trabalham para ampliar a pobreza e vulnerabilidade da classe trabalhadora surgem outros pelo mundo, os quais formaram uma frente internacionalista da extrema-direita, cujo ato político, em janeiro, teve vários gestos nazistas protagonizados pelos ideólogos do movimento.
No entanto, temos possibilidades importantes nesta nova quadra, ao enfrentarmos projetos opressores das liberdades e possibilidades sociais. Não podemos ser inocentes, pois a lógica produtiva continua sendo a mesma, ou seja, concentradora de renda. Não temos como reverter esse quadro na atual conjuntura política, no entanto, podemos reduzir parte das desigualdades, para isso precisamos fortalecer a luta da classe trabalhadora no âmbito local, combatendo o novo ciclo imperialista quese avizinha, sem perder a essencialidade do caráter internacional da luta e resistência de quem tem que vender sua força de trabalho para viver.
Nacionalmente, temos duas bandeiras importantes para sensibilização do povo em geral. A primeira delas consiste na redução da jornada de trabalho, sem redução do salário. A segunda pauta é o estabelecimento de um teto para gastos financeiros com juros, igualmente temos um teto para gastos de verbas públicas em educação e saúde. A defesa de propostas políticas que enfrentem a extrema-direita reacionária e a burguesia é fundamental para fortalecer a perspectiva da esquerda e do poder popular.
Celac na China
O mês de maio marcará nesse cenário geopolítico um movimento que deve causar impactos em nosso continente, especialmente em nosso vizinho opressor e imperialista do Norte. O Foro Celac-China será realizado na cidade de Pequim, em nível ministerial, ou seja, representantes políticos dos países estabeleceram estratégias de múltipla cooperação entre as nações. O evento ampliará as possibilidades de investimentos chineses na América Latina, em um momento em que os EUA surgem com uma política de penalização das nações, por meio de taxações extras das pautas de exportação, tendo como pano de fundo ameaças bélicas e seu desejo de secudarizar as aspirações nacionais dis demais países do continente. Na primeira década dos anos 2000, o volume comercial entre a América Latina e Caribe, com a China, foi de US$ 118 bilhões (fonte: Wits, 2021), sendo US$ 62 bilhões em exportações, em sua maioria comodities. O Brasil figura como o principal parceiro da região, concentrando 45% dos investimentos chineses em setores estratégicos e 34% na exploração de comodities, especialmente o setor de gás e petróleo. Hoje, 20 países integram a Nova Rota da Seda, exceção do Brasil, México e Colômbia, demonstrando capacidade de crescimento da parceria econômica e social. A posição inquisidora dos EUA poderá aproximar outros países da China e sua lógica integracionista baseada na mútua cooperação social, econômica e cultural dos povos.
Gleisi no Governo
A nomeação pelo Presidente Lula de Gleisi Hoffmann para Secretaria de Relações Institucionais, ambiente responsável pela articulação política do governo federal, possibilitará um novo marco ao governo. A lógica central passará a ser a política e a necessidade da consolidação de alianças políticas que possam garantir os votos necessários, não apenas no âmbito da disputa no Congresso Nacional, mas, especialmente, de olho nas eleições de 2026. Considerada extremista por parte do mercado financeiro e pela oposição política ao governo, a ex-presidenta do PT, possui uma posição de discordância em relação a política econômica de viés liberal, adotada pelo governo federal. A nomeação possibilitará, não uma guinada à esquerda, como afirma a imprensa burguesa, mas sim, uma voz política que conseguiu manter o PT e viabilidade eleitoral de Lula em um dos mais difíceis momentos políticos para agremiação partidária. Portanto, o governo deverá ter um excelente ganho, especialmente em virtude da interlocução objetiva de movimentos sociais com o poder político central, quadro que permitirá outros olhares e caminhos, no tocante a execução de políticas públicas.
Yanomami nas ruas
É incompreensível o flagelo humano vivenciado pelos indígenas da região do Ajarani e Catrimani. A rua e suas mazelas sociais torna-se a cama de cerca de 80 Yanomamis na cidade de Boa Vista. Pior, quando vemos a inércia e os discursos xenofóbicos direcionados aos indígenas dessa região, impactada pela sociedade envolvente desde a década de 1970, quando da abertura da BR 210 – conhecida como perimetral norte. O garimpo, o trabalho análogo a escravidão e a busca por benefícios sociais potencializam o processo de desterritorialização desses indígenas que veem nas ruas de nossa capital, e de outras cidades, vários parentes serem atropelados e crianças levadas pelo conselho tutelar. Onde estão os órgãos federais? É inadmissível a incapacidade administrativa do governo federal potencializar uma ação organizada que envolva a sociedade civil, as instituições de ensino e organismos internacionais na formatação, junto aos Yanomamis de uma intervenção que tenha na etnoeducação uma das principais ferramentas de transformação da dura realidade de flagelo que vivenciamos todos os dias. O silêncio de Sônia Guajarara e de Joenia Wapixana é lamentável, demonstra o quanto precisamos ainda avançar quando falamos em defesa da vida de pessoas, especialmente dos indígenas, pois a políticade cuidado nãopode esperar a disponibilidade orçamentária.
Stélio Dener e o argumento de que defensores são políticos
O Deputado federal do Republicano, em uma entrevista ao panfleto radiofônico da direita roraimense, afirmou que a atuação dos defensores públicos é política. Segundo ele, uma ação a fim de garantir acesso a um remédio consiste em uma ação política, não de cumprimento de uma função pública de resguardo de direitos. A fala necessita ser investigada pelo Ministério Público Eleitoral, pois a existência do uso da instituição para angariar votos consiste em um grave crime eleitoral. O pior é que a afirmação foi do próprio parlamentar que embasbacado com o poder, acredita que pode tudo. Mas, limites existem e precisam ser respeitados, pois o dinheiro público não pode ser utilizado para ganhos pessoais. Será que é por isso que no ano eleitoral as ações da defensoria pública aumentam?
Sampaio e a candidatura de governo
O Deputado Sampaio parece querer assumir o papel de monarca reivindicado pelo ex-presidente Bolsonaro. Segundo, o presidente da Ca$a Legi$lativa, ele será candidato ao governo de qualquer forma, inclusive propõe consolidar uma unidade de todos os partidos em torno de seu nome, caso o Denarium tenha confirmada sua cassação pelo TSE. A arrogância e a compreensão de que a maioria das direções partidárias negociam cargos, contratos e grana no processo político eleitoral, permite ao parlamentar vislumbrar a possibilidade dessa unidade, especialmente se conseguir manter como seu partido o Republicano, agremiação partidária ligada ao reacionarismo cristão. Enfim, apesar do discurso com teor progressista no tocante a algumas políticas públicas, na prática isso dá-se em audiências públicas, na hora de apertar o botão e votar, o sargento que se denomina soldado, perfila ao lado do que existe de mais tenebroso à classe trabalhadora roraimense.
Bom dia, com alegria
Fábio Almeida
Comments